Ladainha – População refém do medo, traumatizada com as perdas sucessivas e em busca de proteção para não cair de cama. A suspeita de novos casos de febre amarela silvestre em Ladainha, a 72 quilômetros de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, aumenta o número de moradores, principalmente da área rural do município, nas filas de vacinação do Centro da cidade. Já são 46 casos suspeitos e 16 mortes. Com os postos de saúde abertos no fim de semana e em horário maior, a população se desloca a pé, de carro, moto ou a cavalo para receber o antídoto contra a picada do mosquito Haemagogus, transmissor do vírus que causa o mal letal à saúde humana. “Estamos com um bom estoque de vacinas”, informa o secretário municipal de Saúde, Fábio Peres dos Santos, que acompanha a movimentação nos locais de imunização.
Na manhã de ontem e de sábado, quando ocorre a tradicional feira de produtos típicos – farinhas, frutas típicas da região, bolos, doces, biscoitos, manteiga de garrafa e outros –, a multidão se comprimia na esquina das ruas Vírgilio Rodrigues e Manoel Machado. O pequeno Neymar, de 2 anos, não teve medo da picada da agulha nem chorou, segundo a mãe dele, Natália Rodrigues Gonçalves, de 20, moradora da zona rural de Córrego São Joaquim, que, com paciência, “administrava” a briga pelo colo, onde já estava dormindo Isabela, de apenas sete meses. Ao lado, Alessandra, de 5, se agarrava à mãe também sem derramar uma lágrima. “Vacinar é muito importante”, disse Natália.
Quem chega ao posto de vacinação no Centro de Ladainha, município de 17 mil habitantes e líder em número de mortos, desde que a febre amarela silvestre começou a aterrorizar a Região Leste de Minas, deve passar primeiro por um setor de avaliação, onde a equipe verifica o cartão de vacinação, conversa coma pessoa para saber quando ela foi vacinada pela última vez e conhecer outros detalhes importantes, diz o secretário de Saúde. Logo em frente, onde está escrito “Vacinação aqui”, é feita a imunização. Pelo caminho, é possível ver os chumaços de algodão deixados por pessoas de todas as idades.
TRISTEZA: Morador da comunidade de Bacué, o agricultor Antônio de Souza, de 83, arregaçou manga da camisa e recebeu a agulhada, sem reclamar. “É só uma dorzinha”, brincou. Ao lado, o secretário de Saúde dizia que pessoas maiores de 60 anos precisam estar com boa saúde para ser vacinadas, sem alguma condição clínica (imunodepressão) que iniba a infecção, como gripe forte, amigdalite e outros problemas. Residente na comunidade rural de Peixe Cru, Maria Pereira Magalhães veio de ônibus e contou que um primo dela foi hospitalizado no Hospital Municipal Arthur Rausch, mas, agora, “graças a Deus”, passa bem.
Na feira, Maria do Rosário Nascimento, de 71, moradora de Águas Belas, conversava com a vendedora de queijos Palmira Campos Rodrigues, de 63, de Ribeirão da Areia. “Está tudo muito triste e perigoso. Vacinei há 16 anos e repeti a dose na sexta-feira”, contou a vendedora. “Quem mora na roça precisa se precaver. Vacinei pela primeira vez na terça-feira”, afirmou Maria do Rosário. O também vendedor Jandir Ramos Rodrigues, de 29, também se imunizou pela primeira vez e revelou que ficou muito “cismado”. Sem perder o pique, acrescentou que teve um colega internado.
Com belas matas e tendo a pedra “Marta Rocha” como monumento, Ladainha tem, em cada canto, alguém perguntando ao outro: “Já vacinou?” “Eu já. Agora!”, respondeu à pergunta de um amigo Humberto Nascimento, de 63, que já tinha sido imunizado em 2001. “Viajei pelo Norte do Brasil, lá é que a gente vê falar em febre amarela silvestre. Mas, aqui?”, lamentou.
REPELENTES: Enquanto a população recebe a vacina, o funcionário de um supermercado anuncia a venda de repelentes a R$ 15,90. Jefferson Gonçalves Soares, de 21, conta que perdeu um tio, Joamir Jesus Gonçalves, de 46, pedreiro que morava na zona urbana. “Estamos muito tristes, mas não foi febre amarela urbana”, contou. Segundo ele, não para um repelente no estoque. De acordo com especialistas, a febre amarela urbana não ocorre no país desde 1942.
(Estado de Minas)