Em reunião tumultuada, Câmara Municipal retira da pauta projeto que autorizava Prefeitura a vender terreno da ZPE

Em reunião tumultuada, Câmara Municipal retira da pauta projeto que autorizava Prefeitura a vender terreno da ZPE

Por David Ribeiro Jr.

Na noite de terça-feira (18/08) a Câmara Municipal de Teófilo Otoni realizou a sua 2ª Reunião Extraordinária de 2015 para votar uma pauta composta por oito itens, entre os quais a apreciação e votação do Projeto de Lei 101/2015, de autoria do Executivo Municipal, que “dispõe sobre autorização para alienar o imóvel da ZPE”.

Antes de tudo, algumas considerações: essa coisa de redigir o projeto usando o termo “alienar o imóvel da ZPE” é só conversa mole. É, como se diz lá na roça, conversa pra boi dormir. Foi apenas uma tentativa de diminuir a rejeição que a medida certamente causaria. O que a Prefeitura está propondo mesmo é, na prática, um dispositivo legal que permita a venda do imóvel. Primeiro ele é alienado. Em não havendo o pagamento para o qual o imóvel é oferecido em garantia, o credor assume a posse definitiva. Assim, tem-se uma venda concreta do imóvel em questão abatendo-se o seu valor contratualizado da dívida com o credor. Simples assim.

Há de se deixar claro, no entanto, que apesar da atitude da Prefeitura tentando minimizar a rejeição à medida (o que é muito comum no meio político), não podemos dizer que houve má-fé ou qualquer coisa danosa ao bem público, como andou se alardeando por aí. Por mais duro que seja para alguns ler ou ouvir isso, esta é apenas mais uma atitude da plena competência da Administração Pública. Alguns podem não gostar (e discordar é um direito constitucionalmente garantido a todos nós), mas ainda assim o projeto é uma medida administrativa legítima. Depois nos aprofundamos nisso.

Como eu já havia previsto em texto anterior que você pode ler aqui, a reunião foi muito tumultuada, pra dizer o mínimo. Uma pequena multidão, atraída pelos inúmeros convites feitos por lideranças diversas contrárias ao projeto nas redes sociais e em entrevistas na imprensa, acorreram para a Câmara para protestar contra o projeto. Ainda como eu já havia antevisto também para a reunião, “o bicho pegou” mesmo.

Diga-se de passagem, há muito tempo que eu não via aquela Casa tão cheia. Em alguns momentos os vereadores tiveram até dificuldade para se manifestarem — e olha que a Casa é dotada de um bom sistema de sonorização com microfones para cada parlamentar — por causa do barulho dos manifestantes. A propósito: a manifestação, antes que alguém pense ou diga o contrário, é legítima, sim. Manifestar é um ato e, mais do que isso, um direito assegurado pela nossa Constituição. Então, parabéns aos manifestantes pelo gesto cívico!

Há muito tempo que o plenário da Câmara Municipal não ficava tão cheio
Há muito tempo que o plenário da Câmara Municipal não ficava tão cheio (foto: Aníbal Gonçalves)

Contudo, há de se dizer, a bem da verdade, que a maioria dos manifestantes não tinha a menor noção do que estava de fato em jogo naquela Casa ao se apreciar o referido projeto. Havia um clima de oposição ferrenha pré-estabelecida que era algo muito claro e evidente. E atente para o seguinte: que a oposição ao projeto é legítima, continuo insistindo que sim. Opor-se ao projeto é um direito legítimo, democrática e constitucionalmente assegurado. Mas, sem fazer juízo de valor dos manifestantes, que insisto, estavam defendendo um direito, é preciso ser razoável para admitir que faltou um tantinho de ética e ordem institucional na manifestação. Basta lembrar que, quando um vereador ou outra liderança falava contra o projeto, todos ouviam e, terminada a fala, o preletor era ovacionado. Até aí tudo bem! Isso é democracia em sua plena essência. O problema é que quando alguém que fosse a favor do projeto começava a falar, começava, também, uma gritaria que impedia a pessoa de se pronunciar a favor. E, convenhamos, ser a favor do projeto é tão legítimo e constitucionalmente assegurado como ser contrário a ele.

Em um determinado momento o presidente da Casa, vereador Northon Neiva (PMDB), disse que, se todos não pudessem se expressar, ele teria que usar da autoridade para retirar os manifestantes e deixar no Plenário apenas a imprensa. Muitos criticaram o vereador por estar sendo brusco e desrespeitar uma manifestação democrática no espaço público. Ocorre, porém, que os que eram a favor do projeto não estavam tendo o seu direito de manifestação respeitado pelos que eram contra. E, como autoridade maior no recinto, cabia, sim, ao presidente da Casa, uma casa parlamentar, que existe para a discussão, para ouvir a todos, assegurar a ordem do espaço público. A lei que defende o direito dos que são contra é a mesma lei que defende o direito dos que são a favor. E isso é simplesmente um fato.

Eu sei que muita gente vai me criticar pelo que estou escrevendo aqui. Mas, ao contrário de alguns bacanas por aí, não sou pautado simplesmente pela onda fácil da opinião pública ou pelo medinho de ser mal-interpretado. Eu defendo a lei e a ordem em sua essência. Simples assim. E doa a quem doer.

Que o projeto era polêmico, eu já sabia. Tanto é que escrevi, ao comentar a convocação para a reunião na Câmara, que “o bicho vai pegar!” Mas quem leu o meu texto todo viu que eu disse, também, que não iria exprimir juízo de valor naquele momento, mas que depois escreveria um editorial a respeito. Pois bem, eu escrevi o editorial. Você pode lê-lo aqui.

Ainda falando sobre a reunião, alguns vereadores pediram vista no projeto, que acabou sendo retirado da pauta. Eu, sinceramente, já imaginava que isso poderia ocorrer. O vereador Vânio Amaral (PSB), líder do Governo na Câmara, chegou a tecer algumas duras críticas ao seu colega Daniel Sucupira (PT), que era uma espécie de líder informal da manifestação contrária ao projeto. Vânio disse que Daniel é incoerente ao ser contra a alienação do terreno da ZPE para pagar dívidas da Prefeitura, dívidas essas que foram herdadas da administração desastrosa do governo anterior, do qual Daniel participou, mas não se manifesta contra a venda de 10% da Petrobrás, anunciada pela presidente Dilma, também do partido do vereador, para cobrir um rombo que, comprovadamente, foi causado pela corrupção generalizada na gestão petista da estatal. O vereador Daniel Sucupira, também em entrevista, disse, por sua vez, que vai continuar com a campanha contra o projeto e, por conseguinte, contra a venda do terreno da ZPE.

O projeto, por lei, pode voltar à pauta da Câmara em reunião já na semana que vem. Mas a Presidência ainda não anunciou se haverá nova convocação extraordinária com este propósito. É esperar e ver como esse imbróglio vai terminar.



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