André Petry: “Dilma não vai cair…

André Petry: “Dilma não vai cair…

…como Collor caiu em 1992: as diferenças entre agora e então são muitas e jogam a favor da petista”

Por: André Petry

Dois meses antes da votação do impeachment, a popularidade de Fernando Collor, tal como a de Dilma Rousseff neste momento, estava no fundo do poço. Um minguado lote de 10% dos eleitores ainda confiava no governo. Nas principais capitais, havia manifestações contra a permanência do presidente, como ocorre contra Dilma. Em Brasília, as duas casas do Congresso estavam sob comando do PMDB, como hoje. O vice-presidente da República estava rompido com o titular do cargo, como parece ser regra nas crises que ameaçam resultar na troca de guarda no palácio. A economia vivia uma profunda recessão, com o PIB despencando, tal como agora. Não se passava um único dia, como não se passa um único dia hoje, sem uma nova denúncia de corrupção nos altos escalões oficiais.

Descritas assim, as condições políticas e econômicas que resultaram no impeachment de Collor em setembro de 1992 parecem em tudo semelhantes às de agora, quando a Câmara analisa o rito do impeachment contra Dilma. É a armadilha das aparências. “Na realidade, há mais diferenças do que semelhanças”, adverte o sociólogo Brasílio Sallum Jr., professor da Universidade de São Paulo e autor do livro O impeachment de Fernando Collor – Sociologia de uma crise. Examinando-se abaixo da epiderme da realidade, o quadro é quase inteiramente diferente – e favorece Dilma. No geral, as coisas estavam piores para Collor do que estão hoje para Dilma. Hoje quer dizer hoje, pois a dinâmica dos acontecimentos adquiriu tal velocidade que, da noite para o dia, tudo pode mudar.

Os caras-pintadas de 1992: com a cor do luto no rosto quando Collor queria cobrir o país de verde e amarelo (Luiz Carlos Murauskas/Folhapress)
Os caras-pintadas de 1992: com a cor do luto no rosto quando Collor queria cobrir o país de verde e amarelo (Luiz Carlos Murauskas/Folhapress)

A semelhança mais expressiva talvez seja a convicção do mundo político de que o presidente perdeu a capacidade de levar o país para algum lugar. Diz Sallum: “Com Collor em 1992 e com Dilma agora, as forças políticas perceberam que o presidente perdeu o gás, tornou-se incapaz de conduzir o Estado para um rumo qualquer”. É um dado preocupante para Dilma, pois essa percepção dos políticos é quase sempre prenúncio do fim. É pior ainda quando sua sobrevivência depende, em boa medida, de um partido como o PMDB, dono de uma capacidade ofídica para avaliar a musculatura do poder e, a depender da conveniência, deixá-lo a míngua ou dar-lhe o bote.

As crises econômicas de agora e de 1992 também podem exercer impacto semelhante, mas por razões desiguais. Agora, a crise é menor, mas a sensação de crise é maior. No tempo de Collor, a inflação mensal era obscena, mas como o brasileiro vinha de um período de inflação mais do que obscena, enfrentar índices de 20% ao mês parecia até boa notícia, além do fato de que a correção monetária e a indexação generalizada da economia davam uma certa proteção contra a corrosão da moeda. Agora, encosta nos 11% ao ano, como revelou a prévia do IPC divulgada nesta sexta-feira, mas, principalmente, sinaliza uma piora em relação à estabilidade com a qual os brasileiros já tinham-se habituado. Equilibrando-se os impactos da matemática e da psicologia, a crise econômica pode ser hoje um fator tão decisivo quanto foi em 1992. Mas acabam aqui as semelhanças.

A principal diferença entre 1992 e agora conta a favor de Dilma. Desta vez, a presidente tem um partido político e uma base social e sindical ao seu lado. As bases estão desmobilizadas pela navalha da crise econômica e o partido está desfigurado pelo rombo da corrupção, mas ambos estão vivos. Avariados, mas vivos. Tanto que na quarta-feira conseguiram reunir alguns milhares de manifestantes contra o impeachment em todos os estados, com destaque para os 55 000 que ocuparam a Avenida Paulista, em São Paulo, segundo dados do Datafolha. Collor, filiado ao PRN, partido artificial, sem raízes nem história, jamais contou com manifestações de porte a seu favor. Quando, um mês antes da votação do impeachment, Collor convocar a “maioria silenciosa” para cobrir o Brasil de verde e amarelo, o país saiu às ruas de preto, com os caras-pintadas também exibindo no rosto a cor do luto.

No tempo de Collor, havia um conjunto de políticos respeitáveis, à direita e à esquerda. A Câmara era presidida por Ibsen Pinheiro, deputado gaúcho que, depois, cairia em desgraça, mas vivia então o auge de seu prestígio. Nada parecido com Eduardo Cunha, o correntista do banco suíço Julius Bär e sabe-se lá de onde mais. Mesmo o vice-presidente, embora também vivesse às turras com o titular do cargo, obedecia uma certa etiqueta. Itamar Franco assumiu uma neutralidade de magistrado, não articulava contra Collor, não fazia reuniões com industriais e governadores, não escrevia cartinha chorosas. Em comparação, pode-se dizer que Itamar, discreto, aguardava o desfecho da crise para sentar-se à cadeira presidencial. Michel Temer está em campanha aberta pela cadeira, o que atrai os holofotes para uma figura política cuja popularidade não serve de estandarte.

Também havia mais nitidez sobre a turma que saía e a turma que entrava no governo. Agora, há uma confusão que embaça tudo. Na semana passada, a Polícia Federal fez uma operação na casa de três líderes do PMDB. Entre eles, havia aliados do vice Michel Temer. Em tese, o impeachment deveria varrer do governo os personagens que se enlamearam na corrupção da Petrobras, ou mesmo dos que andaram pedalando na lei fiscal. É esse, pelo menos, o desejo manifesto de milhares de pessoas que têm ido às ruas em defesa do impeachment. No entanto, Temer e uma parte dos que lhe acompanham não cumprem nem um, nem outro requisito. Parte está sob investigação na petrolama. E o próprio Temer também deu suas pedaladas fiscais nas interinidades, assunto sobre o qual o Tribunal de Contas vai se debruçar a pedido do Senado.

A última vantagem de Dilma em relação a Collor é o calendário. O impeachment de Collor foi votado no final de setembro de 1992 e, no mês seguinte, havia eleição municipal. Naturalmente, as manifestações populares pelo impeachment ajudaram a dissolver os últimos apoios a Collor, pois partido nenhum, naquela altura, queria arriscar uma lavada nas urnas de outubro. Agora, não. A eleição mais próxima, também municipal, ocorre dentro de nove meses. Ainda que as defecções no PT estejam se multiplicando, ninguém imagina que, até lá, o impeachment ainda não tenha sido resolvido, seja com qual resultado for.

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