Por David Ribeiro Jr.
TEÓFILO OTONI
O ex-radialista e escritor ROBERTO MARCOS sempre foi um homem de posições polêmicas. De sua pena saíram obras como O Invento da Rosa (poemas e poesias), além dos suspenses psicológicos O Encomendado Amadeu e Verdades Intoleráveis. Também é autor de O Santo do Rio Sangue e atualmente se prepara para lançar O Diabo Mora no Espelho.
À frente dos microfones em que trabalhou sempre ficou marcado por entrevistar de forma dura e incisiva aos seus convidados, sempre elaborando perguntas extremamente contextualizadas, e se destacando por réplicas memoráveis, a ponto de, em determinada ocasião, um determinado ex-prefeito ameaçar deixar os estúdios, embora estivessem ao vivo. Foi com base na repercussão e projeção obtidas a partir dessas suas posições que se lançou candidato a deputado estadual em 2002, mas não conseguiu se eleger. Em 2014 voltou à cidade e, tão logo chegou, anunciou a sua intenção de se lançar candidato a prefeito pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Na semana passada, na condição de pré-candidato a prefeito, concedeu-me, via e-mail, a entrevista que você acompanha a seguir. E, como não poderia ser mesmo diferente, polêmicas não faltaram. Vale a pena acompanhar.
A entrevista, na íntegra, segue abaixo:
minasreporter.com: O senhor esteve muitos anos longe de Teófilo Otoni, e tão logo voltou já manifestou o interesse de se lançar candidato a prefeito. Por quê?
ROBERTO MARCOS — Talvez fosse mais generoso, trocar a expressão “muitos anos” por “alguns anos”. Posto assim, você reduz minha percepção de pertencimento à esta cidade. Além do mais, fica parecendo que a minha pré-candidatura é resultado de um desejo exclusivamente meu e nada mais. E não é. David, considero-me um ativista, um defensor de direitos, pois o lado da História que ocupei na Imprensa, enquanto atuei nela, não foi de servidão. Muito pelo contrário. Defendi que o PT pudesse falar, quando o PT não podia falar; defendi que Getúlio falasse, quando Getúlio não podia falar, e paguei um preço alto por essas escolhas. Ao lado disso, produzi denúncias, enfrentando juízes, policiais, líderes religiosos e políticos ruins. Tudo, para defender este município. As pessoas não sabem, mas perdi emprego, fui desoportunizado e perseguido. Também, foi militando na Imprensa que tive a chance de conhecer e debater toda a problemática de Teófilo Otoni na sua mais aguda profundidade. Assim, não posso ser desqualificado como se fosse um maluco que empreende uma luta cega pelo poder. Tenho, sim, o direito natural de ser pré-candidato à Prefeitura da minha cidade.
minasreporter.com: Winston Churchill era um político idoso e tido como ultrapassado quando ajudou a Inglaterra a vencer a 2ª Guerra. Por que o senhor sempre tem dito que o tempo de Getúlio já passou, e que ele já deu o que tinha de dar para a cidade?
ROBERTO MARCOS — Como sei que é um repórter honesto, nem me ocorre a ideia de que esteja propondo similitudes entre Getúlio e Churchill. Sabe, David, tenho dito que Getúlio merece nosso respeito. Reconheço a sua importância histórica, e essa importância não pode ser apequenada. Nem ouso dizer que ele não possa desejar seguir sendo candidato. Mas a candidatura de Getúlio, hoje, é sempre filha de um arco de procedimentos que alimenta interesses anticidadãos. E eu não só desejo que ele seja candidato, como espero muito pela possibilidade do debate e do enfrentamento na arena pública com o próprio Getúlio. Será a oportunidade de aprofundarmos essas questões. Acredite, sonho todos os dias com a chance de embater com ele.
minasreporter.com: O senhor já esteve, em momentos diferentes, com Getúlio Neiva, com o PT de Maria José, e com uma chamada terceira via (Giovane Cota, em 2004, cuja candidatura era a consequência do trabalho do GRATO [Grupo Amigos de Teófilo Otoni, lançado pelo senhor]). O que o motivou a desta vez querer ser “o” candidato?
ROBERTO MARCOS — Sempre apoiei ideias. Não pessoas. Reconheci como necessário o voluntarismo de Getúlio, não desmereci a força de Maria José em organizar os movimentos de base, e vi, em Giovane, a possibilidade de uma nova linguagem. Importâncias distintas, mas atreladas a momentos distintos. Apenas isso. Então, reafirmo que, naquelas faixas de tempo, os três foram importantes, sim. Mas isso não os imortaliza, nem pode transformá-los em experiências intermináveis e únicas. Deram o que tinham que dar. Agora, é a vez de apostarmos em uma compreensão de cidade que ainda não foi experimentada. O poder, e todos sabemos, cumpre ciclos. E, em 2016, mais um estará sendo fechado.
minasreporter.com: Como o cidadão pode ter certeza de que o senhor, quando chegar ao poder, não cometerá os mesmos erros desses políticos que hoje critica?
ROBERTO MARCOS — A pré-candidatura do Psol não nasce do bolso de endinheirados. Ou seja, um Governo do Psol não será um interventor dos mais ricos, como vem acontecendo nos últimos 30 anos. Logo, não representará a vontade de dono de empresa de ônibus, de empreiteiros, de lobistas ou agiotas que se imaginam donos da cidade. Em 2016, o povo de Teófilo Otoni vai entender que o modelo que é empreendido durante uma campanha é sempre uma antecipação daquilo que será o Governo instalado.
minasreporter.com: Por que um homem como o senhor, que sempre atuou como um profissional do mercado, se filiou ao PSOL, considerado um partido de extrema esquerda?
ROBERTO MARCOS — O mercado não pode ter o poder de dizer o que as pessoas são ou precisam ser. O mercado tem que voltar a ser o reflexo do que são as pessoas, e não o contrário. Se não for assim, a cidade passa a ser uma grande loja onde as pessoas trabalham, e não o lugar onde as pessoas vivem e com o qual criam os seus laços. Precisamos deter o mercado, limitar sua intromissão nas escolhas do cidadão. Vivi, sim, do mercado, mas não me moldei àquilo em que o mercado quis me transformar. Por exemplo, trabalhei na Imprensa durante anos e anos, e o mercado nunca controlou as posições que eu tomava como as mais corretas. Não me curvei às imposições dele.
minasreporter.com: O deputado federal Jean Wyllys, do PSOL-RJ, já produziu algumas gritantes contradições, como dizer que uma criança de 12 anos já tem maturidade para decidir-se sobre uma cirurgia de mudança de sexo, mas um adolescente de 16 não tem maturidade para perceber a gravidade de um crime. Isso não é uma clara consequência do discurso chamado de extremamente progressista, e por vezes sem nenhum fundamento lógico?
ROBERTO MARCOS — Se pesquisar direito verá que essa afirmação não é precisa. E mais: setores da sociedade podem até divergir de Jean Wyllys. Mas ninguém pode negar que estamos falando de um dos mais importantes legisladores deste país, tento sido eleito três vezes como o melhor deputado do Brasil. Se gostam dele ou não gostam, se aprovam ou não aprovam, aí é outra questão.
minasreporter.com: O Socialismo, enquanto regime político, matou quase três vezes mais pessoas no Século XX do que as duas grandes guerras mundiais, no mesmo século, e centenas de vezes mais do que as cruzadas e a inquisição, juntas. Qual o fundamento para o PSOL insistir que o seu socialismo é diferente do praticado no resto do mundo?
ROBERTO MARCOS — O Socialismo que eu defendo é não mais do que uma inspiração para as relações pessoais e institucionais, e não um modelo de Governo. Defendo o mercado livre, um mercado competitivo, privatizado, mas que não avance sobre direitos cidadãos e que não seja seletivo no momento de promover pessoas. Ele pode até criar níveis toleráveis de disparidade, mas a partir do princípio da meritocracia. O Socialismo que enxergo como necessário, deve se limitar a não permitir que o mercado produza exclusão e violência social, colocando os ricos para jogarem o jogo das oportunidades e os pobres apenas para aplaudirem da arquibancada.
minasreporter.com: O senhor tem sido criticado por não ter nenhuma experiência político-administrativa. Como ter certeza de que o seu eventual governo não será como o da ex-prefeita Maria José, que era muito bom enquanto discurso de oposição, mas que foi muito fraco na prática?
ROBERTO MARCOS — Esta é uma confusão conceitual que a Imprensa hegemônica, gangsterizada e mafiosa, sempre a serviço das elites políticas, tenta criar. David, você sabe muito bem que, na Política, governar é diferente de gerir. O prefeito é definidor de macro políticas, e não homem de ficar lidando com livros de escrituração. Para isso, aliás, é que existe espaço para nomeação de equipes técnicas definidas por méritos. Um governo sério, revolucionário, verdadeiramente transformador, só precisa, em lugar de contratar parentes e amigos para posições estratégicas, recrutar gente com capacidade técnica, e tudo funcionará. Agora, se a macro política for ruim, não tem equipe técnica que dê jeito, a exemplo do atual governo.
minasreporter.com: Um problema da esquerda teofilotonense é a falta de quadros para compor uma administração municipal eficiente. A ex-prefeita Maria José teve até que importar nomes de fora, e com pouco sucesso. Como um eventual governo Roberto Marcos contornaria essa dificuldade?
ROBERTO MARCOS — Aproveitando os servidores efetivos altamente capacitados que atuam dentro da Prefeitura há anos e anos. Há também um time seleto de aposentados que poderia ser chamado a contribuir. Não é preciso inventar muito. Dentro da Prefeitura existe muita gente boa que pode ascender à condição de chefes de seção e secretários. Aproveitar o plantel que já conhece a máquina resulta em eficiência e barateia a gestão. Um governo sério não faz da Prefeitura um cabide de empregos para atender a interesses de pré-campanha, em detrimento de um time pronto que já atua na máquina pública. Portanto, sob nenhum ponto de vista, justifica perdermos tempo e dinheiro qualificando pessoas trazidas de outros setores. Um governo reformulador tem que acreditar no talento de gente que, anos depois de anos, dá o sangue dentro da estrutura da Prefeitura Municipal. E promover essa gente.
minasreporter.com: O senhor já admitiu diversas vezes que cometeu muitos erros, mas que os assume. Não te preocupa a consequência desses erros serem usados como arma contra a sua candidatura no calor da campanha eleitoral?
ROBERTO MARCOS — Não. Aliás, o debate ético muito me interessa. Cometi, sim, ser humano que sou, erros pessoais. Muitos. Mas não cometi erros contra interesses da coletividade. Falei durante anos e anos nos microfones mais importantes desta cidade, mas nunca usei isso para me dar bem, para obter vantagens, empregos e outras mazelas. Jamais me meti em corrupção, nunca me apropriei de patrimônio público, nunca chantageei donos de loteamentos, nunca empreguei amigos e parentes na administração pública com salários inexplicáveis, nunca exerci cargos fantasmas e nem mesmo usei de informações privilegiadas para tentar ganhar dinheiro. Jamais embolsei “bolas” de políticos para transformar capetas em santos, como faz parte da Imprensa. David, quero, sim, o debate ético. Se eu contasse todos os erros que cometi durante a minha vida, talvez perdesse alguns votos. Mas se muitos dos políticos que posam de bons moços fizessem o mesmo, iriam certamente parar na penitenciária. Essa é a diferença.
minasreporter.com: O senhor tem sido bastante contumaz em apontar os problemas da cidade, e, de fato, eles existem aos montões, mas não em dizer como resolvê-los. Quando o senhor pretende apresentar um anteprojeto daquilo que defende para a administração municipal?
ROBERTO MARCOS — Já tenho feito isso oportunamente. Em todos os espaços que me são concedidos falo de pontos centrais do nosso programa de Governo. Mas, institucionalmente, em fevereiro de 2016, lançaremos, em caráter oficial, a nossa carta de intenções.
minasreporter.com: O senhor tem feito duras críticas à Câmara Municipal, mas não há da parte das pessoas minimamente entendidas em política expectativa de mudança real da Câmara. Pode até mudar os nomes, como ocorreu em 2008, mas a prática continuou a mesma, já que ainda há uma predisposição do eleitor em votar em ‘amigos’ e doadores de benesses. Assim, como seria a relação do prefeito Roberto Marcos com o Legislativo?
ROBERTO MARCOS — Uma relação institucional, harmônica, mas nunca de sujeição ou dependência. Nosso Governo não avançaria sobre as tarefas do Legislativo, mas não aceitaria que o Legislativo chantageasse o nosso Governo. As pautas de interesse público seriam analisadas com absoluta isenção sem sanguessugas mediando esses conflitos. Ademais, para equilibrar essa relação, fortaleceríamos o papel das associações de moradores para produzir uma contracorrente fiscalizadora das ações dos dois poderes. Afinal, apostar na Educação Política do cidadão é fortalecer o papel da representação em todos os níveis.
minasreporter.com: O senhor tem defendido que rico pague mais impostos. Mas não é o rico quem mais paga, já que ele, para gerar empregos e manter seus negócios abertos, precisa estar em dia com os seus tributos, que são altíssimos?
ROBERTO MARCOS — David, as deformações acontecem em relação aos impostos municipais. Como, por exemplo, o IPTU.
minasreporter.com: Essa coisa de dar benefícios aos amigos, no caso do IPTU, como o senhor disse que há, e há mesmo, não é uma prática que vem desde o tempo da Roma Antiga, e que ainda está presente mesmo nas democracias mais consolidadas do mundo? Como pretende mudar isso?
ROBERTO MARCOS — Blindando o acesso que o contribuinte influente tem a secretários e vereadores. Situação de que os mais pobres não gozam. A possibilidade dos ricos negociarem impostos devidos junto ao município deixará de existir. Não vamos colocar em estado de ameaça o desenvolvimento da cidade apenas para proteger interesses da elite. Um governo nosso, acredite, não pactuará com esse erro. Não importa o quanto tradicional essa prática possa ser, ela será enfrentada por mim, e derrotada. Não vamos seguir sustentando a ideia de um Robin Hood às avessas, que rouba dos mais pobres para dar aos ricos. Vou refundar a vocação institucional do município de cobrador de impostos, criando, inclusive, um eficaz imposto progressivo e socializante. Assim, a carga tributária municipal pode corrigir a truculência do mercado que produz suas distorções. Os ricos serão, sim, alcançados pela Lei e pagarão, não duvide, os impostos devidos ao município. Publique isso aí…
minasreporter.com: As duas últimas eleições municipais mostraram que candidaturas alternativas, por melhor que fosse o discurso, não conseguem emplacar em Teófilo Otoni sem muita grana para se projetar e mostrar que é, de fato, diferente, e até melhor, se assim o for. Por que acreditar que desta vez será diferente?
ROBERTO MARCOS — Primeiramente, os discursos nem tão bom eram. A qualidade de tais discursos reside muito mais em sua disposição a ser generoso. Ademais, recordo-me da campanha de Giovane Cota, por exemplo. Ela teve graves problemas de identidade. Afetado pelas pessoas que o influenciavam, Giovane não sabia se assumia o papel do rompimento com tudo ou se se apresentava como o velho rejuvenescido. Pareceu dúbio e, assim, fracassou. Haja vista o espaço que ele, Giovane, ocupa no Governo que combateu. De franco adversário que era, tornou-se servidor de Getúlio. Fátima Dantas, por sua vez, também não conseguiu convencer. Ela não teve como produzir a contradição, nem ideologizar pontos centrais do debate. Afinal, era filha e herdeira daquilo que dizia estar combatendo. E, assim, o seu discurso mais parecia uma colcha de retalhos, com pontos providenciais aqui e ali, mas muito comprometido ideologicamente. Fraco. Ou seja, em ambas as experiências, faltou verdade. E se falta verdade, o eleitor não compra.
minasreporter.com: O senhor tem falado exaustivamente de combater a corrupção no espaço municipal. Como isso se dará?
ROBERTO MARCOS — Nosso governo vai refundar a Controladoria do município. Uma Controladoria de verdade. Não essa caricatura que existe aí. Defenderei uma Controladoria de braços dados com o Ministério Público e com segmentos organizados da sociedade. Ela terá independência absoluta, podendo fiscalizar todas as ações da gestão. Investiremos nessa Controladoria, fortalecendo e blindando-a de interferência de quem quer que seja, A Controladoria fiscalizará tudo, acessando desde ações do mais humilde servidor até as ações do Chefe do Executivo. Ela terá vida cíclica, sendo renovada de tempo em tempo, para evitar vícios comportamentais. Com essa medida, começaremos a luta para que não vaze uma única moeda. Em nossa gestão, acredite, ninguém enriquecerá a custa do que é público. É um tema amplo. Espero ter oportunidade de aprofundá-lo, David.
minasreporter.com: Obrigado pela entrevista! E boa sorte em sua campanha!
ROBERTO MARCOS — Obrigado, David. Em 2016, vamos, com a força das mulheres, dos universitários e do anel periférico, produzir um fenômeno. Davi vencerá Golias, mais uma vez.