‘Nos tratam melhor do que em nosso país’, diz venezuelano na Bahia

‘Nos tratam melhor do que em nosso país’, diz venezuelano na Bahia

Estrangeiros estão há quase dois meses na capital baiana e em Alagoinhas, para onde foram levados de Roraima em processo de interiorização

Jesus, a esposa e o filho de 12 anos abandonaram casa na cidade de Caracas para vim para o Brasil — Foto: Alan Tiago Alves/G1

“Não tivemos outra opção senão abandonar tudo e deixar a Venezuela porque ficou impossível viver lá. Para a gente, não importava o destino, só importava escapar de uma situação que se tornou alarmante em meio a qual não dava mais para sobreviver”.

Com essas palavras e os olhos marejados por não conseguir esconder a emoção diante de tudo que passou até se instalar com a família em Salvador, o imigrante venezuelano Jesus, de 46 anos, retrata o drama de ter largado tudo para trás em seu país para fugir de uma crise política e econômica que só faz aumentar com o tempo. Agora, tenta uma vida melhor para ele, a esposa e o filho de apenas 12 anos.

Jesus foi um dos 30 venezuelanos trazidos no final de outubro, do estado de Roraima, onde os imigrantes atravessam a fronteira para o Brasil. A transferência dele para a Bahia ocorreu durante a 14ª etapa do processo de interiorização dos imigrantes — ação da Operação Acolhida, iniciada pelo Governo Federal, em parceria com a Agência de Refugiados da ONU (ACNUR) e outras entidades para ajudar venezuelanos em situação de extrema vulnerabilidade a encontrar melhores condições de vida em outros estados brasileiros.

Do total de estrangeiros que vieram para a Bahia, 25 foram para Alagoinhas e 5 residem em Salvador. O processo de interiorização deles foi viabilizado pela Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI Brasil), que, além de viabilziar emprego para os estrangeiros, custeia o aluguel dos imóveis onde ficam por três meses — até janeiro de 2019. A entidade disse que buscou locais acessíveis para eles, para que possam se manter mesmo depois do fim do auxílio.

A AVSI informou que vieram 5 famílias para a Bahia — com 7 crianças, ao todo — e 3 homens solteiros. A entidade diz que conseguiu emprego para 8 pessoas, que incluem todos os chefes de família e os solteiros num mesma empresa que atua em Salvador e Alagoinhas.

Afirma que contratou uma profissional em Alagoinhas para auxiliar 2 deles na busca por emprego e que mantém contato também com uma família (3 venezuelanos) que conta com o auxílio de membros de uma igreja que estão frequentando na cidade.

A entidade diz que os que não têm emprego formal contam com o apoio para moradia, alimentação e intermediação de mão-de-obra, a partir da elaboração de currículo e contatos locais para fazerem entrevistas.

Jesus, a mulher e o filho, que moravam em Caracas, capital da Venezuela, chegaram a Roraima em 24 de agosto. Junto com os demais conterrâneos, ficaram em um abrigo até serem trazidos para a capital baiana, no dia 24 de outubro.

Em Salvador, eles moram no bairro do Saboeiro. Jesus está empregado — atua como técnico de ar-condicionado numa empresa de bebidas. Diz já ter 30 anos de experiência como técnico em consertos de eletrodomésticos e eletroeletrônicos — inclusive, colocou uma placa na janela de casa com essa informação para que possa ser acionado por vizinhos para a realização de algum serviço. A esposa, Nellys, de 43 anos, ainda está à procura de uma ocupação.

“Aqui na Bahia, em Salvador, tem muito amor humano. As pessoas são muito acolhedoras. Ficamos felizes e, ao mesmo tempo, preocupados, porque nos tratam melhor aqui do que no nosso próprio país”, destaca Jesus.

O país vizinho, do presidente Nicolás Maduro, vive a maior recessão de sua história e, sem perspectiva de melhora, o número de imigrantes só aumenta. Segundo a ONU, que já considera o êxodo como o maior deslocamento de pessoas na história recente da América Latina, cerca de 3 milhões de venezuelanos vivem no exterior, dos quais pelo menos 2,3 milhões deixaram a Venezuela a partir de 2015. Em 2018, cerca de 5,5 mil pessoas deixaram o país por dia, e a previsão da ONU é que, haverá 5,3 milhões de migrantes e refugiados venezuelanos até o final de 2019.

Jesus instalou placa na janela de casa para informar vizinhos que tem 30 anos de experiência como técnico em consertos de eletrodomésticos e eletroeletrônicos — Foto: Alan Tiago Alves/G1

Na Venezuela, Jesus era empresário e a esposa trabalhava como cozinheira, mas ele conta que foi, aos poucos, perdendo tudo. Diz que chegaram a ficar com dificuldades até para comprar comida, por causa da inflação que afeta o país desde outubro de 2017 e que, conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI), pode chegar a 10.000.000% em 2019.

“Lá, quem era de classe média alta virou nada, perdeu praticamente tudo. Agora, imagine quem era das classes menos favorecidas. Quem trabalha um mês lá, ganha um salário de 4.500 bolívares, enquanto 1 kg de tomate já estava custando 3.500 bolívares”, afirma.

Então, não tivemos outra alternativa. Precisávamos sair, seja para onde fosse: Colômbia, Peru, Brasil… E não é fácil deixar o seu país, sem saber o que vai conseguir”.

Ao contrário de muitos conterrâneos, vieram para o Brasil sem vender a casa onde moravam na Venezuela, para terem para onde voltar caso a vida aqui não desse certo. Ao chegarem em território brasileiro, no entanto, ficaram sabendo que o imóvel havia sido saqueado por criminosos.

“Não vendemos a casa lá porque seria o lugar para onde voltaríamos caso a gente não conseguisse se manter aqui. Teríamos, assim, para onde voltar. Mas já aqui recebi uma foto de como a nossa casa ficou: parte foi destruída e tudo foi saqueado”, diz, mostrando a imagem do que restou da residência na tela do celular.

O filho, de 12 anos, conseguiu bolsas de estudo em Salvador para fazer aulas de natação e karatê. O menino tem um problema cardíaco e precisa fazer atividades regulares. Ele só não conseguiu ainda vaga em uma escola da capital para poder continuar os estudos.

Amigos da fronteira

Entre os venezuelanos trazidos para a Bahia, e que também moram em Salvador, estão o jovem José, de 21 anos, e Jhon, de 43 anos. Na Venezuela, moravam em cidades diferentes (o primeiro em Carúpano e o segundo em Barcelona) e não se conheciam. Se viram pela primeira vez num abrigo em Boa Vista (RR) e viraram amigos. Hoje, moram juntos no bairro de Narandiba, em Salvador.

Os dois trabalham na mesma empresa de bebidas em que o conterrâneo Jesus atua. José atua como auxiliar de marketing, enquanto Jhon é mecânico.

José cursava o último ano de publicidade na Venezuela, mas abandonou o curso às vésperas da formatura para vir ao Brasil. Lá, trabalhava numa padaria.

Deixou para trás a mãe e a irmã de 9 anos, com quem morava. O pai é separado da mãe e ele não tem tanto contato com ele atualmente. Com a mãe e a irmã, fala todo dia por telefone.

“Pensei por muito tempo antes de sair da Venezuela. Não foi uma decisão tomada de um dia para o outro. Também não sabia o que me esperava aqui no Brasil. Coloquei roupa, comida, enlatados na mala e vim, como fosse para uma guerra, sem saber o que iria acontecer”, destaca.

O irmão mais velho de José, que tem 32 anos, também deixou a Venezuela e foi morar no Peru, onde trabalha atualmente como chefe de cozinha.

José veio para o Brasil junto com outro amigo venezuelano, que, no processo de interiorização, foi morar no Rio Grande do Sul, onde conseguiu emprego em um supermercado. Além da crise econômica, ele cita a onda de violência na Venezuela como um dos motivos pelos quais deixou o país.

“Lá não se podia comprar comida o suficiente para viver bem. Não se podia comprar celular, roupas, sapatos. Só se tivesse um salário muito alto. E se comprava alguma coisa, na rua te roubavam. Matam gente por causa de celular, por causa de sapato. Então, foram muita coisa que fizeram com que eu tomasse a decisão de vim pra cá. E como no Brasil não há necessidade de passaporte para vim, de documentos, vim pra cá começar do zero”, conta.

Jhon, por sua vez, deixou a esposa, dois filhos, de 23 e 21 anos, e dois netos em Barcelona. Além de não esconder a saudade da família, diz que uma das maiores dificuldades que enfrenta no Brasil é a comunicação, mas garante que, com a convivência com os colegas de trabalho, está se acostumando aos poucos.

“A convivência aqui é muito boa, o problema é só a comunicação mesmo. Estou tratando de ficar bem aqui para trazer eles [os parentes]. Lá, somente a minha esposa trabalha. O resto está sem trabalho por causa da situação da Venezuela”, diz o mecânico, que afirma que também manda dinheiro para ajudar os parentes que fiaram no país a se manter lá.

(Fonte: Alan Tiago Alves, G1 BA)



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