‘Uma maratona’, afirma secretário de Saúde de Minas sobre a COVID-19

‘Uma maratona’, afirma secretário de Saúde de Minas sobre a COVID-19

Dedicado à luta contra o coronavírus, secretário destaca importância do isolamento conjugado com a noção do peso da economia para a saúde no enfrentamento à pandemia

Secretário de Saúde de MG – (Pedro Gontijo / Imprensa MG)

As confirmações dos primeiros casos de COVID-19 no Brasil, no início de março, mudaram a vida do médico Carlos Eduardo Amaral. Desde então, como responsável pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas, ele fala aos mineiros em coletivas diárias, no formato remoto. De forma didática apresenta estatísticas da doença e sua evolução no estado.

Presente na maioria das transmissões sobre o tema, que contam com pronunciamento de outros integrantes do Executivo, inclusive o governador Romeu Zema (Novo), Carlos Amaral não altera o tom de voz sereno e se esquiva das polêmicas, como as farpas públicas trocadas entre Zema e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), sobre o momento exato e como fazer o isolamento social, a abertura do hospital de campanha do Expominas e o gerenciamento de leitos na rede pública.

É um defensor do isolamento social, embora considere que atividade econômica tenha que ser levada em conta para que haja equilíbrio na tomada de decisões. “De uma forma geral, entendemos que a economia é um dos determinantes da saúde”, pondera nesta entrevista exclusiva ao Estado de Minas, na qual afirma que a epidemia “não é uma corrida de 100 metros”, mas “uma maratona”.

Natural de Juiz de Fora, há mais de 100 dias Carlos Amaral vive em um hotel na capital mineira, distante da família, que tem evitado visitar. “Às vezes, me pego com máscara no quarto de hotel”, diz, garantindo que faz tudo o que prega quanto aos cuidados pessoais. “Não quero ser um transmissor do vírus”. A quarentena longe da cidade de residência é preenchida por uma rotina intensa de trabalho, com uma média de 13 horas diárias.

Carlos Amaral assumiu a pasta em 14 de fevereiro de 2019, quando foi cedido para o cargo pelas instituições onde trabalhava. Formou-se em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 1992, é neurocirurgião e neurorradiologista intervencionista e médico da Fundação Hospitalar do Estado de MG (Fhemig) desde 1994, além de professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), desde 1999, nas cadeiras de anatomia e neurocirurgia. Tem MBAs em Gestão de Negócios e em Gestão Hospitalar e Segurança do Paciente e ocupa a vice-presidência da região Sudeste do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).

Nesta entrevista, ele diz que haverá leitos suficientes no dia 15, quando está projetado o pico da COVID-19 no estado, e fala da relação com Zema e com o colega Jackson Machado, secretário de Saúde de Belo Horizonte,  que se dedica ao desafio de encarar a pandemia na capital mineira, também entrevistado pelo EM nesta edição (leia na página 9). “Nos respeitamos muito e temos os mesmos objetivos”, afirma.

À frente da pasta, qual foi o momento mais difícil vivenciado pelo senhor?

O momento mais difícil, sem sombra de dúvida, foi a minha chegada à Secretaria Estadual de Saúde. Naquele momento, em que tínhamos secretaria desestruturada, uma equipe de servidores com autoestima baixa, uma dívida enorme com mais de R$ 386 milhões, que a última nota fiscal tinha sido paga em março de 2017, havia uma falta de credibilidade total em que nenhum fornecedor tinha interesse em se relacionar com a Secretaria Estadual de Saúde.

Para se ter uma ideia, nem passagem aérea nem gasolina conseguíamos comprar. Quando a COVID-19 chegou, o que foi um grande desafio, nós já tínhamos a dívida totalmente paga, a credibilidade perante os fornecedores. Isso permitiu que pudéssemos realizar compras no momento adequado, da forma adequada e no preço adequado.

Como tem sido a rotina de trabalho do senhor?

Habitualmente, acordo às 6h, chego à secretaria por volta das 8h e costumo sair por volta das 21h, quando volto ao meu apartamento. Na verdade, é um quarto de hotel onde eu moro, onde inicio a verificação das mensagens de Whatsapp.

O secretário desliga o celular em algum momento?

É 100% ligado, até mesmo porque pode ter uma urgência, em que o secretário de saúde tenha necessidade de atuar. Como tem sido a rotina do senhor de cuidados contra a COVID-19? O senhor teve de abdicar de algum momento compartilhado com sua família?

Tudo que eu prego, eu faço. Mantenho distanciamento. Mantenho o uso de máscara. Inclusive, às vezes, me pego com máscara dentro do quarto do hotel. Faço limpeza das mãos, tenho cuidado com aglomerações.

Evitei ir para minha casa, nos primeiros meses, por conta de não se ter uma ideia exata de como seria a transmissão da COVID no estado. Mesmo hoje, quando vou para Juiz de Fora, fico somente em casa e praticamente não saio à rua.

Em algum momento, o senhor teve medo de se contaminar?

Não tive medo de me contaminar. Entendo que a COVID-19 é uma doença, uma virose, que vai pegar grande parte da sociedade e, neste contexto, temos que fazer o correto, sabendo que qualquer um de nós pode ser contaminado. O que para mim é principal é que eu me cuido como cidadão. Não quero ser um transmissor do vírus. Isso é o mais importante.

O senhor visitou hospitais de referência no atendimento à doença. Alguma cena foi marcante?

Visitei vários hospitais naturalmente, por causa do cargo que ocupo. Pela necessidade imperativa de eu me preservar, até mesmo para diminuir o risco de ficar afastado da liderança da saúde no estado, evito comparecer às áreas assistenciais, mas o que tem me chamado muita atenção é que tenho visto uma equipe de saúde muito engajada e ciente de suas responsabilidades.

O senhor é médico, neurocirurgião. Como tem visto a atuação de colegas que estão na linha de frente no enfrentamento à COVID-19?

Trabalhei em terapia intensiva durante muitos anos e, inclusive, em 2009, no (enfrentamento) à H1N1.Era plantonista de terapia intensiva, ou seja, entendo muito bem o medo e a insegurança, muitas vezes, do profissional de saúde.

O que tenho visto hoje é uma equipe de profissionais de saúde muito dedicada. Todos têm noção da importância do trabalho que realizam no atendimento de cada pessoa e também no contexto da sociedade. Para mim, a grande maioria dos profissionais de saúde é vocacionada. Os profissionais sabem o que fazem, onde estão e têm noção da importância do trabalho.

Nos pronunciamentos públicos, o senhor sempre é sereno no tom de voz e nas ponderações. A que o senhor atribui esse traço de personalidade?

Isso é um comportamento natural meu, mas que, por outro lado também, (reflete) a minha área de atuação como médico e neurocirurgião. Essa atuação nos induz a entender que é importante a gente ter bom senso, ter noção de que as coisas, muitas vezes, são imprecisas e, principalmente, precisamos aprender a lidar com imprecisão. É isso que nos faz melhorar, nos faz amanhecer a cada dia, aprendendo mais e sendo uma pessoa melhor.

No entendimento do senhor, qual foi o maior acerto do governo de Minas no enfrentamento à COVID-19?

Entendo que tivemos vários acertos. O primeiro foi ter permitido que, na chegada da epidemia, nós tivéssemos uma Secretaria Estadual de Saúde com as contas saneadas. Isso permitiu que pudéssemos fazer compras com preços adequados, no momento adequado. Além disso, temos interação muito grande com o governador e isso para a Secretaria Estadual da Saúde torna todas as ações, todas as medidas que precisamos indicar muito mais fáceis de serem adotadas.

Junto ao governador, conseguimos indicar o isolamento no momento oportuno. Isso fez com que contivéssemos o grande aumento de casos e permitíssemos a estrutura de saúde do Estado – isso nós entendemos como sendo a União, o Estado, municípios e prestadores – tivesse a capacidade de se adaptar à epidemia, haja visto que, até o momento, já expandimos em 70% o número de leitos de terapia intensiva no estado.

O senhor enxerga alguma falha até o momento do governo nesse enfrentamento?

Talvez a maior falha que tenhamos é a dificuldade de comunicação. Dificuldade de passar para a sociedade os nossos inúmeros acertos, de forma que eles sejam percebidos pela sociedade.

O senhor, desde o início, defende o isolamento social como a melhor medida para barrar o avanço do novo coronavírus. No entanto, há uma pressão para a reabertura da economia. Como médico, o senhor considera que os pedidos de abertura da economia levam em conta a proteção das vidas de pessoas mais vulneráveis, que estão na linha de frente desses serviços essenciais e que usam o transporte público?

A epidemia tem que ser avaliada com o misto entre a capacidade que temos, através do isolamento social, de reduzir o número de casos e também a capacidade assistencial que conseguimos desenvolver ao longo do preparo. O isolamento social tem várias formas.

É fundamental que entendamos que, em algum momento, ele terá que ser reduzido e, em outros ampliado, isso faz parte da epidemia. De uma forma geral, entendemos que a economia é um dos determinantes da saúde.

Então, tomar atitudes com que venhamos a comprometer severamente a economia é a mesma coisa que afirmar que, no futuro, teremos um comprometimento da saúde por falta de um de seus determinantes, que é o econômico.

De uma forma geral, esse equilíbrio tem que ser pensado. Tudo que fazemos, todas as medidas que tanto a Secretaria de Saúde quanto o governo do estado tomam, é buscando esse equilíbrio entre a economia e a preservação de vida que, para nós, é fundamental. Outra afirmativa importante é que a epidemia terá período longo. E então, não podemos lidar como se fosse uma corrida de 100 metros. A epidemia será uma maratona, em que toda a sociedade terá que se adaptar a ela.

Há uma divergência entre a Prefeitura de Belo Horizonte e o governo de Minas em relação ao Hospital de Campanha no Expominas? Quais as razões das divergências?

O hospital de campanha foi montado pelo governo de Minas para seguir o plano de contingência do estado. Dessa forma, todas as ações, como momento de abertura, estão vinculadas ao planejamento do estado. Então, efetivamente, não há divergência entre o estado e a prefeitura, uma vez que esse hospital é do estado e está dentro do plano de contingência dessa esfera.

Estamos nos aproximando do pico, em 15 de julho. Qual é a maior preocupação em relação a esse dia? Os leitos de UTI serão suficientes para a maior demanda assistencial desde o início da pandemia?

Todas as projeções que fizemos até o momento têm se revelado acertadas. Nesse contexto, as projeções mostram que se tivermos o número de casos que foram projetados, teremos leito para atender a toda população. A maior preocupação que temos é que a realidade possa ser diferente das projeções e, aí sim, a gente tem um pouco de dificuldade na condução da epidemia.

Quando estaremos livre da COVID-19 em Minas?

Nós só estaremos livre da COVID quando tivermos uma vacina. Caso contrário, teremos que aprender a conviver com as limitações que são impostas pela disseminação do vírus. Como dizemos, é um novo normal. Esse novo normal não significa isolamento intensivo ao longo de toda a epidemia, mas é fundamental que a população, agora, e para o futuro, aprenda a se cuidar e a ter uma relação de forma a diminuir a transmissão de microorganismos.

Como é a relação entre o senhor e o governador Romeu Zema?

A minha relação com o governador é ótima. Admiro o governador, o vejo como uma pessoa simples, um homem probo, de princípios e com as melhores intenções. Efetivamente, só estou no governo e larguei a minha vida em Juiz de Fora por confiar muito na pessoa do governador.

Como tem sido as conversas entre o senhor e o secretário de BH, Jackson Machado?

A minha relação com Jackson é boa. Temos conversas técnicas, amistosas. Nos respeitamos muito e temos os mesmos objetivos, que é prestar e favorecer uma atenção à saúde que é de qualidade para os belo-horizontinos.

(Com informações de Márcia Maria Cruz – Estado de Minas)



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