Um documento da Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPE-MG) revela a intenção do juiz Amaury de Lima e Souza de negociar a transferência do traficante carioca Adair Marlon Duarte, o Adair da Mangueira, um dos principais integrantes do Comando Vermelho, para o presídio de Juiz de Fora, na Zona da Mata.
Titular da Vara Criminal de Juiz de Fora, Amaury está preso preventivamente desde que foi afastado das funções há cinco meses suspeito de conceder prisão domiciliar para os maiores criminosos do país. Em troca, o magistrado recebia vultosas propinas.
De acordo com as investigações, no caso da transferência de Adair da Mangueira, o magistrado teria agido em conluio com a diretora-geral da penitenciária de Juiz de Fora, identificada no documento do MPE como Andria Valéria.
A suposta participação da servidora não foi descrita. Condenado pela morte do diretor do presídio de Bangu 3 e apontado como um dos chefões do tráfico no Rio, Adair ia ser libertado e iria para o regime de prisão domiciliar.
Em março deste ano, três meses antes de Amaury ser preso pela Polícia Federal (PF) em Minas Gerais, o bandido carioca foi transferido do Rio para um presídio federal.
Ainda conforme o documento do MPE, no ano de 2011, o diretor do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora, Giovani de Moraes Gomes, emprestou “extraoficialmente” para o juiz dois fuzis calibre 5,56 mm, cada um deles com carregadores cheios.
Além de fornecer as armas, Giovani Gomes é suspeito de receber propina para admitir naquela unidade prisional um preso da operação “Athos”, da Polícia Federal (PF), além de conceder privilégios como “quarto maior” e “chuveiro quente”.
Na quarta-feira (26), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), formado por 26 desembargadores, acatou denúncia do MPE para investigar o magistrado e sua rede de colaboradores no sistema prisional de Juiz de Fora. O Hoje em Dia teve acesso a parte da documentação do MPE.
Propina
Preso na operação “Athos” por porte de armas de uso restrito do Exército, Amaury se tornou alvo principal da operação “Luis XVI”, que desmantelou o esquema de pagamento de propina em troca das decisões judiciais.
Um dos responsáveis pelo assalto ao Banco Central de Fortaleza, em 2006, o traficante José Severino da Silva, o Cabecinha, foi solto duas vez por Amaury.
A partir de documentos forjados, o magistrado concedeu prisão domiciliar para o bandido. Fora da prisão, Cabecinha sumiu do radar da polícia.
Em princípio, o TJMG havia negado pedido de prisão preventiva do magistrado com base nas investigações da “Luis XVI”. Dias depois, os desembargadores voltaram atrás e deferiram o pedido de prisão durante uma sessão pública.
Para os investigadores, essa quebra de sigilo propiciou o vazamento da operação. Tanto que Amaury recebeu os policiais na sua residência com uma mesa de lanche.
Em entrevista, o advogado Gustavo Carneiro Mendes, representante do magistrado, declarou que essa nova denúncia do MPE não possui fundamento jurídico. O defensor alegou ainda que a acusação partiu de uma denúncia anônima.
Após 5 meses da denúncia, TJ não se posiciona
Quase cinco meses depois da denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça não decidiu se vai instaurar ou não ação penal para investigar o envolvimento do juiz Amaury de Lima e Souza com organizações criminosas de narcotraficantes.
A ação do MPE tem como base o inquérito da operação “Luis XVI” da Polícia Federal (PF) em Minas. Indiciado pela PF por integrar organização criminosa, corrupção passiva, posse ilegal de armas e munições de uso restrito das Forças Armadas e lavagem de dinheiro, Amaury foi denunciado oficialmente em 15 de julho deste ano pelo MPE.
Mas, até o momento os 26 desembargadores do Órgão Especial do TJMG não definiram o futuro do magistrado. Mesmo afastado do cargo, ele continua recebendo salário normalmente.
Advogado do juiz, o criminalista Gustavo Carneiro Mendes, em entrevista ao Hoje em Dia na sexta-feira (28), cobrou celeridade do Judiciário.
Gustavo Mendes argumenta que seu cliente está preso preventivamente em um batalhão da Polícia Militar em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“O processo já deveria ter sido encerrado, mas devido a essa morosidade do tribunal o meu cliente continua preso preventivamente. A denúncia pode inclusive ser rejeitada. Dependendo da corrente doutrinária, o prazo estipulado para encerrar a instrução penal varia de 90 a 110 dias. Estamos encaminhando para completar 150 dias e até agora nada”, queixou-se. Por meio de assessoria, o TJ informou que não ia comentar o caso.
Em decisão liminar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, negou pedido de habeas corpus para liberar o juiz. A petição ainda será apreciada pelo Pleno do STJ. Para Mendes, a denúncia do MPE foi “exagerada”.
Por Ezequiel Fagundes — Hoje em Dia