Panama Papers funcionam como um bom indicador de democracia

Panama Papers funcionam como um bom indicador de democracia

Nem tudo o que está lá é o que parece, mas as reações demonstram onde existe liberdade

panama papersPor: Vilma Gryzinski
VEJA.com

A quantidade de informações reveladas pelos Papéis do Panamá – e as muitas ainda não divulgadas — é tão estonteante que implora por alguns esclarecimentos. Nem todos ainda são possíveis, mas é preciso tentar ver a floresta e identificar os tipos de árvores.

Para começar, de forma a tirar esse tipo de ruído da frente: nem todo fundo de investimento em paraísos fiscais é ilegal, imoral ou engorda. Primeiro, obviamente, se forem fundos declarados. Segundo, se não precisarem ser declarados.

O fato de que o rei da Arábia Saudita e outros emires do Golfo Pérsico figurem na lista significa exatamente nada. Não porque sejam chefes de monarquias do deserto, mas porque em seus países ninguém paga imposto de renda. Se não existe imposto, não existe sonegação. Pode haver uma complicação de cunho religioso, pois pelos princípios muçulmanos é proibido cobrar juros. Mas as petromonarquias certamente não rasgam dinheiro nem deixam o coitadinho sofrer abusos. Os especialistas em “finanças islâmicas” estão aí para isso.

O caso do primeiro-ministro David Cameron também deve ser visto dentro de suas especificidades. Relembrando: o pai dele, Ian Cameron, já falecido, trabalhava no mercado de investimentos e abriu uma offshore no Panamá. Durante trinta anos, não pagou impostos na Grã-Bretanha. Atenção: isso não é ilegal no Reino Unido.

Planejamento, racionalização ou minimização fiscal são alguns dos eufemismos usados por aqueles que, dentro da lei, procuram formas de diminuir o pagamento de impostos. Esta categoria inclui toda a humanidade, mas, ao contrário do Brasil, onde só os muito ricos se beneficiam desses recursos, na Grã-Bretanha é comum que pequenos investidores tenham a opção de colocar seu dinheiro em Jersey.

A esplêndida ilha que fica entre Inglaterra e França desfruta de um status especial, decorrente de uma bula papal do século XV, na época em que os dois países travavam guerras periodicamente. A vantagem de se transformar em paraíso fiscal foi avistada há sessenta anos e fez a prosperidade de Jersey.

“Evitar impostos é uma manifestação das liberdades britânicas”, escreveu, bravamente,  o assessor politico John McTernan no jornal Daily Telegraph. Ele menciona um processo de 1936 que estabeleceu o princípio da autodefesa fiscal.

O duque de Westminster, uma potestade da alta aristocracia, foi acusado na época pela real receita por ter estabelecido um contrato de prestação de serviço com um jardineiro, antes assalariado. O pagamento era o mesmo, mas o duque ganhava uma vantagem fiscal.

“Todo homem tem o direito, se puder, de organizar seus interesses de forma que a devida taxação  seja menor do que contrariamente seria”, sentenciou o juiz da Câmara dos Lordes.

O princípio é universal, mas a encrenca para David Cameron é ética e política. Nas democracia consolidadas, como o caso dos Papéis do Panamá está mais uma vez comprovando, os governantes precisam não só prestar contas do que fazem como do que parecem fazer. Nos regimes autoritários, como demonstram as reações na Rússia e na China, as informações são boicotadas, ignoradas ou manipuladas.

Cameron demorou para responder sobre suas atividades financeiras. Disse que não tem ações de nenhuma empresa e nem se beneficia de qualquer tipo de fundo de investimento. Suas fontes de renda são o salário de primeiro-ministro, rendimentos de aplicações e o aluguel de uma casa.

Não pode responder pelo pai, que, repita-se, fez tudo legalmente. Num sinal de que nem sempre o que é legal é legítimo, Ian Cameron transferiu seu fundo do Panamá para a República da Irlanda, que também tem benefícios fiscais. O pai do primeiro-ministro sofria de um defeito congênito nas pernas e foi criado pela mãe, sozinha.

David Cameron também perdeu um filho pequeno, vítima de grave paralisia cerebral. Do ponto de vista dele, as tragédias familiares equilibram a imagem de riquinho que estudou em Eton e Oxford, o ápice da classe alta, e fez carreira no Partido Conservador – que na Inglaterra é praticamente de centro-esquerda.

É claro que os adversários políticos de Cameron, fora e principalmente dentro de seu partido,  estão explorando o caso do Panamá. Nada, por enquanto e pelos motivos acima descritos, que se compare à fulminante queda do primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur David Gunnlagsson, que apareceu pessoalmente, junto com a mulher, como beneficiário de uma offshore do extraordinariamente bem-sucedido escritório Mossack Fonseca.

Uma das perguntas ainda sem resposta do caso é por que tantas e tão conhecidas personalidades usaram exatamente o mesmo serviço quando o que não faltam são similares do gênero. É compreensível que a tia do rei da Espanha, Pilar de Bourbon; o enroladíssimo e atualmente processado cunhado dele, Inaki Urdangarin, e o cineasta Pedro Almodóvar tenham todos em algum momento recorrido ao “escritório” panamenho.

Mas a lista de mais de 11 milhões de documentos inclui altas personalidades de países como Paquistão, Rússia, China, Ucrânia, Azerbaijão, Índia, África do Sul, Venezuela e, claro, Brasil. O circuito da corrupção é conhecido, porém permanece a pergunta:  será que não tinham ninguém mais que fizesse o serviço?

A origem do vazamento também permanece oculta. É atribuída, por enquanto, a um hacker que furou a segurança do sistema da Mossack Fonseca através de um e-mail espião. Será que Vladimir Putin, que tem a seu serviço alguns dos melhores hackers profissionais do mundo, os dos serviços secretos russos, usaria laranjas num mequetrefe panamenho?

O vazamento foi repassado, por país e em parte, a repórteres do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. No Brasil, o contato é com Fernando Rodrigues, jornalista de integridade comprovada.

Mas a patrocinadora desse clube internacional de repórteres altamente qualificados está longe de ser imparcial e apartidária. O Centro pela Integridade Pública é uma instituição criada por George Soros. O bilionário americano de origem húngara tem interesse declarado em influir  em políticas públicas em todo o mundo. Patrocina desde respeitados maconhistas – defensores da liberação da cannabis — até grupos filiados ao Black Lives Matter, organização de radicais americanos, na maioria negros.

Além de Fernando Rodrigues, muitos outros repórteres do Consórcio Internacional parecem profissionais experientes, capazes de avaliar a multiplicidade interesses envolvidos a divulgação dos documentos panamenhos. Qualquer jornalista que preze o próprio trabalho adoraria ter acesso a eles.

Outros, terão que fazer uma escolha difícil. Se dão tanta credibilidade aos Papéis do Panamá quando expõem amigos de Vladimir Putin, embora o nome do presidente russo não apareça diretamente em nenhum arquivo, terão que fazer o mesmo quando caírem as fachadas de personalidades pelas quais nutrem maior simpatia política.

Só pelo que já fez até agora, o vazamento já teve um efeito telúrico. Outros certamente virão. Um dos mais interessantes é acompanhar o indicador de democracia real que criaram. Entre outras definições, democracias reais, e não de fachada como as empresas criadas pelo prolífico Mossack Fonseca, são aquelas em que o voto dos cidadãos não é usado como um cheque para enriquecer corruptos, enquistar-se no poder e comprar maiorias legislativas. Estamos falando, claro, da África do Sul.

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