João Gabriel Prates: “A Justiça não depende de nossas convicções”

João Gabriel Prates: “A Justiça não depende de nossas convicções”

Por João Gabriel Prates

A vida de Sobral Pinto é digna de todas as biografias e homenagens. Portanto, o filme “Sobral – O homem que não tinha preço” não foge à regra.

Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893–1991)
Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893–1991)

Advogado. Heráclito Fontoura Sobral Pinto nasceu no fim do século XIX e morreu aos 98 anos de idade, em 1991. Defensor radical das garantias e liberdades individuais, primou pela luta contra arbitrariedades, pautada na coerência de seus pensamentos. Que fique claro: Sobral sempre defendeu a primazia da lei e da Constituição, ainda que contrárias às suas convicções pessoais. Tanto assim que, numa das mais famosas histórias da advocacia brasileira, livrou da prisão dois líderes comunistas (Luiz Carlos Prestes e Harry Berger), invocando a tutela da lei de proteção aos animais, tendo em vista o tratamento degradante que a polícia especial de Vargas dispensava aos encarcerados. Ou seja: um católico conservador, ferrenho opositor do comunismo, pôs em liberdade o maior quadro do Partido Comunista, nascendo ali uma grande amizade, tudo em nome da justiça e do cumprimento à lei. Ainda: udenista, defendeu a posse de JK (PSD), por julgar descabida a atuação dos militares, no sentido de minar a candidatura do médico mineiro. Recusou, deste presidente, convite para integrar o Supremo Tribunal Federal, temendo que a imprensa o acusasse de ser favorecido em função do apoio à candidatura de Juscelino.

Fé. Segundo o próprio Sobral, o que lhe motivava a lutar pelo bem comum do povo era sua infindável fé. Católico convicto, perseguia o ideal cristão de justiça e liberdade àqueles subjugados e oprimidos.

Humano. Como bem afirmou seu neto Guilherme Fiuza, em entrevista, Sobral Pinto não era um “androide da justiça” e sim um ser humano como outro qualquer, que trabalhava pela soberania da democracia. Tanto assim que, apaixonado por futebol, atribuía todas as derrotas do América-RJ à contingências alheias à ineficiência do escrete: ora o juiz era “ladrão”, ora o gramado não ajudava. Ressaltava-se, aí, a passionalidade desse jurista que tinha a equidade como premissa inafastável. Para além disso, Sobral teve sua vida devassada por uma declaração pública de um algoz, pelo que teve de confessar um relacionamento extraconjugal que teve pouco após casar-se. E aqui reside o fascínio da trajetória deste brasileiro. Em virtude do caso que manteve – e após seu término – se demitiu do cargo de Procurador Criminal do Estado, segundo posto mais importante à época, pois, em sua consciência, não se sentia digno de acusar ninguém, uma vez cometido o pecado do desvio do dever conjugal. Ademais, deixou de frequentar lugares de lazer, pois julgava não merecer divertir-se, pelo erro que cometeu.

O autor João Gabriel Prates é graduando do 9º período da Faculdade de Direito Milton Campos (BH/MG) e ex-presidente do Diretório Acadêmico Orozimbo Nonato, daquela Faculdade.
O autor João Gabriel Prates é graduando do 9º período da Faculdade de Direito Milton Campos (BH/MG) e ex-presidente do Diretório Acadêmico Orozimbo Nonato, daquela Faculdade.

Autor de destemidas (e temidas) cartas, destinadas às mais diversas autoridades, personalidades e constituintes, Sobral Pinto tornou-se um símbolo da resistência civil aos arbítrios do Estado brasileiro. Defendia os presos desde o Estado Novo varguista e, de maneira enérgica e corajosa, combateu as torturas clandestinas e as prisões políticas durante a Ditadura Militar nos anos 1970/80. Pagou o preço por manter-se firme no que acreditava, vendo-se isolado em muitos momentos da vida. Mas isso em nada alterou sua atuação na vida pública.

Enfim, um brasileiro que deixou sua marca na história republicana, pregando a força da palavra, a coerência das posições e a prevalência da paz, sob a égide de um Estado constitucionalmente democrático.

Assistir à “Sobral – O homem que não tinha preço” recarrega os cartuchos da esperança em mundo justo, no qual o poder das ideias suplante a estupidez da força.

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