De acordo com pesquisadores americanos, mecanismo pode explicar por que zika tem consequências tão devastadoras como a microcefalia e ajudar a desenvolver terapias.
Um grupo de cientistas americanos descobriu que a aparente atração do vírus zika por neurônios em formação pode ser resultado de sua afinidade por uma proteína encontrada na superfície das células-tronco neurais. O receptor AXL, encontrado em abundância na superfície dessas células, mas não nos tecidos neuronais maduros, pode ser usado pelo vírus como porta de entrada para a infecção. De acordo com pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos, danos nesse tipo de células são coerentes com vários dos sintomas associados ao zika nos fetos em desenvolvimento – incluindo a microcefalia.
O estudo, cujos resultados foram publicados nesta quarta-feira na revista científica Cell Stem Cell, revela como a proteína AXL – normalmente envolvida na divisão celular – está presente em grande quantidade nas células que dão origem aos tecidos do córtex e também da retina. Essas células-tronco, afirmam os cientistas, só estão presentes no organismo durante o segundo trimestre de gravidez. Além de ajudar a compreender a biologia do vírus, a descoberta pode ajudar no desenvolvimento de futuras terapias para a infecção em mulheres grávidas.
Porta de entrada – Logo que o surto de zika e microcefalia atingiu o Brasil, os pesquisadores resolveram aprofundar estudos que mostravam que vírus similares ao zika, como o da dengue, parecem usar a proteína AXL como mecanismo de entrada para as infecções. A equipe usou análises genéticas para verificar a presença desse receptor em diferentes células do cérebro de camundongos, furões, em organelas cerebrais derivadas de células-tronco (como os minicérebros desenvolvidos em laboratório) e tecidos humanos cerebrais em desenvolvimento.
Os cientistas perceberam que todos os modelos exibiam a proteína nas células gliais radiais, que são estruturas que, ao se desenvolverem, dão origem a diversos tipos de células, como os neurônios. Usando marcadores de anticorpos, os pesquisadores descobriram que a AXL se agrupa em locais dessas células-tronco que estão próximos a vasos sanguíneos ou ao fluido cerebroespinal – uma posição privilegiada para o vírus zika entrar em contato com a proteína e desenvolver a infecção.
“Ainda que não seja de maneira alguma uma explicação completa, acreditamos que a expressão de AXL por esse tipo de célula é uma importante pista para descobrirmos como o vírus zika é capaz de produzir casos tão devastadores de microcefalia. Os resultados se encaixam perfeitamente nas evidências disponíveis”, disse um dos autores do estudo, Arnold Kriegstein, diretor do Centro de Pesquisa em Medicina de Regeneração Células-tronco Eli and Edythe Broad, da Universidade da Califórnia em São Francisco.
Próximas etapas – De acordo com os pesquisadores, a descoberta é um passo importante, mas outros receptores podem estar associados ao vírus. Por isso, o próximo passo do estudo deve ser verificar se o AXL pode ser explorado para terapias que possam impedir a infecção. Bloquear a proteína, fundamental para o desenvolvimento do cérebro do feto, não é uma opção, mas o conhecimento dos detalhes do mecanismo de entrada do zika nas células-tronco pode ajudar os médicos a encontrar meios para tratar as grávidas e evitar consequências nos bebês.
“Ainda não entendemos por que o vírus da zika, em particular, é tão virulento para o cérebro em desenvolvimento”, afirmou Kriegstein. “Pode ser que o vírus se desloque mais facilmente pela barreira da placenta ou que o vírus entre nas células mais facilmente do que infecções relacionadas.”
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