Teimoso assumido, o apresentador adora uma roupa de marca, admite que seu ego é proporcional ao seu 1,92 metro de altura e dá de ombros para os críticos
Por: Sofia Cerqueira
Com uma fórmula escorada no voyeurismo e movida a confrontos, intrigas e casos amorosos, o Big Brother Brasil é um dos programas mais longevos e populares da televisão brasileira. Em nenhum outro lugar do planeta a atração inspirada no universo do escritor George Orwell, criada na Holanda e já exibida em mais 75 países, alcançou marcas tão impressionantes. Foi aqui, por exemplo, que bateu o recorde de 154 milhões de votos registrados em uma única noite de eliminação. Mas, ao longo dos últimos catorze anos, o formato original sofreu sucessivos ajustes. Tudo com o objetivo de piorar as condições de temperatura e pressão na casa-laboratório onde as cobaias humanas vivem três meses espionadas por câmeras 24 horas por dia. Os ambientes foram remodelados, as provas ganharam requintes de sadismo e as regras mudaram ao sabor de uma audiência ávida por embates entre os participantes. Uma única coisa, entretanto, se mantém desde o princípio: a presença de Pedro Bial, 56 anos, jornalista convertido em mestre de cerimônias do reality show. Às vésperas da 15ª edição, com estreia marcada para o próximo dia 20, Bial tem estudado os vídeos dos candidatos selecionados e se preparado para uma extenuante jornada — com o programa no ar, ele diz não dormir mais de quatro horas por noite. “O BBB foi um acidente de percurso na minha carreira, que encarei de forma honesta e apaixonada”, avalia. “É um formato trash feito com um grau de excelência sem igual. Transformamos o que chamam de lixo em luxo.”
Desde 2002, Bial incita o público a exercitar a bisbilhotice pelos ambientes da casa cenográfica montada no Projac, em Jacarepaguá. Mas, com o passar dos anos, ele próprio acabou se tornando uma vítima da superexposição provocada pelo programa. O jornalista, que gosta de frequentar botequins e de rodar a Zona Sul de bicicleta, mal consegue pisar na rua quando a atração estreia. “As pessoas perderam a cerimônia comigo”, diz. Sua rotina, nessas temporadas, se resume a longas horas diante das três TVs de sua casa, sintonizadas dia e noite no BBB. Obsessivo, ele chega à Globo com nove horas de antecedência nos dias de gravação. Em seu camarim há até uma cama, onde já dormiu algumas vezes. A compulsão para tentar manter tudo sob controle, porém, nem sempre o livra dos imprevistos que as transmissões ao vivo costumam guardar. Em 2003, numa eliminação, foi surpreendido pela aparição de uma mulher nua na plateia. Desesperado com a possibilidade de a imagem da desinibida ter ido ao ar, travou em frente às câmeras ao vivo e só conseguiu balbuciar a palavra “seguranças!”. Até hoje o caso é motivo de piada nos bastidores da emissora. Para os críticos do programa, tido como vulgar e banal, a presença do apresentador, que gosta de citar grandes escritores e filósofos em seus discursos de eliminação, é uma tentativa de dar nobreza à atração de uma pobreza abissal em termos de conteúdo. “O horário deveria ser ocupado por coisa melhor, mas admiro o Bial. Ele fala com todos os públicos, e com qualidade”, diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-todo-poderoso da emissora e pai do diretor do programa, Boninho.
Bial é a cara do Big Brother no Brasil, mas sua versatilidade, é fato, vai bem além do reality show anual. Pouca gente sabe, mas nos anos 90 seu nome foi cogitado na cúpula da emissora para apresentar o Jornal Nacional ao lado do novato William Bonner. Neste ano, além de botar ordem na casa cenográfica mais uma vez, comandará a quarta temporada do Na Moral, desenvolverá o roteiro de um seriado para a Globo e um novo programa de entretenimento, ainda guardado em segredo. De origem judaica — o pai era alemão e veio para o país na II Guerra — e formação católica (estudou no Santo Inácio), ele se diz agnóstico. “Não acredito em Deus. Como os teólogos definem, a fé religiosa é uma entrega ao absurdo”, filosofa. Isso não quer dizer que não tenha superstições e uma queda por jogos de azar. Em várias edições do BBB, antes de entrar no ar, borrifava uma lavanda de bebê na plateia para “levantar o astral”. Cada acontecimento marcante, seja na vida pessoal, seja mundo afora, vira pretexto para fazer uma fezinha no jogo do bicho. Foi o que aconteceu no trágico 11 de setembro de 2001, quando apostou no porco. O raciocínio que levou ao animal foi tortuoso: “Imaginei a Big Apple e escolhi um bicho que tradicionalmente é assado com uma maçã na boca”. O delírio lhe rendeu 2 000 reais. Em novembro, ao entrar em cartaz o musical sobre Abelardo Barbosa (1917-1988), o Chacrinha, que marca sua estreia como roteirista de teatro, fez uma combinação com a data de nascimento do apresentador. Dessa vez, perdeu. Novos motivos para testar a sorte não faltarão. Bial escreve mais um musical, agora sobre o cronista Antônio Maria (1921-1964), e planeja outra parceria nos palcos com Andrucha Waddington, que dirige a peça sobre o Velho Guerreiro. “Ele une a experiência jornalística com o talento para a dramaturgia como poucos”, elogia Andrucha.
Contratado da Globo há 34 anos, antes de assumir a porção showman no BBB Bial já tinha uma longa estrada. O jovem carioca criado em Ipanema, que sonhava ser cineasta, começou a carreira em Salvador, passou pelo Jornal Hoje, pelo Globo Repórter e, aos 30 anos, virou correspondente em Londres (veja o quadro abaixo). Deu sorte. A estada na capital britânica, no fim dos anos 80 e início dos 90, coincidiu com um período de grande efervescência na Europa e no Oriente Médio. Acompanhou o colapso da União Soviética e as guerras do Golfo e da Bósnia. Quem vê sua carreira ascendente pode imaginar uma trajetória sem percalços e marcada por uma vigorosa capacidade de transformar um talento inato em conquistas profissionais. De certa forma, isso é verdade. Mas Bial não esconde que pagou um preço alto do ponto de vista pessoal. No fim dos anos 90, quando apresentava o Fantástico, viveu uma das fases mais difíceis de sua vida. Acometido de uma forte depressão, precisou recorrer a ajuda médica. Pouco antes, havia enfrentado um conturbado processo de separação litigiosa da atriz Giulia Gam. No episódio, ambos disputaram a guarda do filho Theo, hoje com 16 anos. “Não vejo vergonha alguma em dizer que por dez anos precisei tomar Rivotril, antidepressivos e remédios para dormir”, afirma Bial, que atualmente namora a jornalista de moda Maria Prata. Além de Giulia, ele foi casado com a atriz e escritora Fernanda Torres, com a jornalista Renée Castelo Branco (com quem teve a filha Ana, de 27 anos) e com a produtora Isabel Diegues (mãe de seu caçula, José Pedro, de 12 anos).
Ultrapassados os 50 anos, Bial tem buscado uma vida mais equilibrada — se isso é possível para alguém que é por natureza agitado e ansioso. Notívago inveterado, ele tenta manter uma rotina saudável. Acorda às 5 da manhã e aproveita para ler seis jornais, metade deles estrangeira. Com o auxílio de um personal trainer, exercita seus 98 quilos distribuídos em 1,92 metro de altura na academia montada em casa. O jeito desengonçado nem de longe lembra o de alguém com destreza para o surfe, mas Bial gosta de se arriscar no mar. Costuma pegar onda com os dois filhos menores, como fez recentemente em uma viagem à Costa Rica. É uma mudança radical para quem o conheceu em outros tempos. Ex-fumante compulsivo, ele largou o cigarro há sete anos, ao ser diagnosticado com enfisema pulmonar. Também diminuiu radicalmente a quantidade de álcool depois de passar por experiências traumáticas com a bebida e ter de recorrer à ajuda de um psicanalista, no início dos anos 2000. “Percebi que estava perdendo a mão. Durante quatro anos bebi todos os dias. E muito.” Do tipo que não deixa pergunta sem resposta, o mestre de cerimônias do Big Brother também fala abertamente sobre sua experiência com as drogas. Conta que, como muitas pessoas de sua geração, passou por LSD, cocaína e maconha. “Vi gente se atolar, estragar a vida. Tomei ojeriza de pó, e hoje não uso nada, nem maconha”, afirma.
Quando não está na Globo, nem passeando de bicicleta pela Zona Sul, Bial se refugia na casa em que mora, na região do Horto. É um belo imóvel, de projeto arquitetônico arrojado e recheado de peças de design — o que evidencia o bom gosto de seu proprietário. Ali ficam guardadas roupas de marcas como Prada, Armani, Zegna, que ele adora usar, apesar de tentar manter sua vaidade em discrição. “Você vê como é natural? Visto um negócio desses e ninguém percebe”, diz. Embora tenha uma vida muito confortável, Bial se autoexclui do primeiro time de apresentadores da Globo e diz que até o décimo Big Brother “ganhava menos do que merecia”. Fontes do mercado de televisão calculam que ele receba algo em torno de 3 milhões de reais para apresentar cada temporada da atração. Os vencimentos ajudam a entender o pragmatismo com que Bial enfrenta as críticas ao programa. Para ele, ser a imagem do BBB não é incômodo nenhum. “Não sou apenas um jornalista ou um apresentador. Sou um homem de televisão”, diz a encarnação brasileira do Grande Irmão.
Fonte: VEJA RIO