Devastação das matas ciliares em Minas é ameaça de proporções desconhecidas

Devastação das matas ciliares em Minas é ameaça de proporções desconhecidas

Maiores bacias do estado estão à mercê da destruição.

Desmatamento irregular às margens do Rio Pará deixa apenaa um filete de mata ciliar, para a criação de novos pastos e plantações de eucalipto (Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Desmatamento irregular às margens do Rio Pará deixa apenaa um filete de mata ciliar, para a criação de novos pastos e plantações de eucalipto (Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Buritizeiro, Pirapora, São Gonçalo do Abaeté, Três Marias e Várzea da Palma – As florestas que acompanham o Rio São Francisco, a mata atlântica ao longo do Rio Doce e o cerrado que envolve os rios Jequitinhonha e Mucuri estão sendo derrubados progressivamente, desnudando a proteção natural contra o assoreamento e dizimando berçários da biodiversidade. No Dia Mundial do Meio Ambiente, a constatação: esta é uma ameaça de dimensões praticamente desconhecidas pelos órgãos ambientais brasileiros, que atinge de forma devastadora as maiores bacias de Minas e traz danos a outros estados.

Os rios Doce, Grande, Jequitinhonha, Mucuri, Paraíba do Sul, Paranaíba e São Francisco já enfrentam reduções alarmantes de volume no território mineiro, prejudicando também os estados de Alagoas, Bahia, Goiás, Paraná, Pernambuco, São Paulo, Sergipe e Rio de Janeiro. E a falta de fiscalização agrava ainda mais a ação dos desmatadores. As multas e autuações para quem derruba as matas ciliares despencaram 91,5% em Minas Gerais, segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), passando de 4.748 punições em 2014 para 404 em 2015. Enquanto isso, a cobertura vegetal das margens dos sete mananciais não passa de 16% do conjunto matas e rio, quatro vezes menos que a média de 67% prevista pelo Código Florestal.

Conservadas, segundo especialistas, as faixas vegetais que acompanham as margens dos mananciais – as matas ciliares ou ripárias – têm função vital para as populações que vivem ou dependem das águas, ao reduzir erosões e assoreamentos que causam enchentes e perda de volume dos recursos hídricos usados na captação humana, irrigação e pecuária. Sua presença representa refúgio para exemplares da fauna e da flora e é também essencial para a reprodução, alimentação e abrigo de animais e plantas aquáticas.

“Se a devastação das áreas de matas ciliares continuar assim, caminhamos para que o desabastecimento das cidades e das atividades econômicas se torne um problema crônico”, afirma o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da UFMG, Ricardo Motta Pinto Coelho. “Há estudos que mostram que rios em mesmas condições são muito mais fragilizados quando não têm mata ciliar, enquanto outros, com essa vegetação, conseguem atravessar a estação da estiagem sem secar”, compara o biólogo e consultor em recursos hídricos Rafael Resck.

DADOS DE SATÉLITES Para saber a extensão do estrago, uma vez que faltam informações oficiais sobre a integridade das matas ciliares, a reportagem do Estado de Minas compilou durante um ano e meio as informações de satélites internacionais que determinam a concentração florestal nas margens dos principais rios mineiros que fornecem água a outros estados. Por meio do programa de mapeamento interativo da organização não governamental norte-americana Global Forest Watch (GFW) e da previsão legal de reserva que o Código Florestal (Lei 12.651/2012) determina, dependendo da largura dos rios e lagos, chegou-se a uma extensão total de mata e leito de 1.343.401 hectares (ha) até 2014. As áreas florestais nesse espaço, contudo, somaram apenas 214.892ha (16%), ou seja, 4,2 vezes menos que o determinado pela legislação nacional.

Pelo levantamento, o Rio São Francisco é o que tem as margens menos cobertas por matas ciliares. O mais extenso manancial do estado soma 283.407 ha de área de leito e mata ciliar, mas apenas 35.760ha (12,61%) são de vegetação conservada, índice 5,3 vezes menor que o previsto pelo código florestal. No caso do Velho Chico, que atravessa outros quatro estados, a situação em Minas Gerais é crucial para a saúde do curso d’água, não apenas por nascer no estado, mas também porque nas demais unidades federativas as matas foram praticamente dizimadas.

Os estragos já se fazem sentir. Pirapora e Buritizeiro dividem margens opostas do Rio São Francisco, que chega a ter 660 metros de largura nesse ponto do Norte de Minas, mas há tempos a calha do manancial não banha mais que a canela dos pescadores. Em São Gonçalo do Abaeté, município pelo qual o rio corre imediatamente após a Barragem de Três Marias, na Região Central do estado, as ilhas de lodo e terra trazidos pelos desbarrancamentos do Velho Chico e de seus afluentes chegam a encalhar até os barcos dos ribeirinhos mais experientes. “Isso é causado pelo desmatamento do São Francisco e dos afluentes. Como representante dos pescadores do Velho Chico em encontros no mundo todo, mostro que a sedimentação está tornando o rio mais raso. As águas estão sem força para levar embora os detritos de margens desabadas, das enxurradas, e vão se formando essas ilhas e bancos de areia”, aponta um dos pescadores mais conhecidos por defender a integridade do manancial, Norberto dos Santos, de 65 anos, de São Gonçalo do Abaeté.

(Estado de Minas)



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