Por Bertha Maakaroun e Isabella Souto | Estado de Minas
Morreu na manhã desta quinta-feira, aos 96 anos, o ex-governador de Minas Gerais Francelino Pereira dos Santos. Ele estava internado no Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte. O velório ocorre no Palácio da Liberdade até às 19h30 de hoje.
Natural de Angical do Piauí (PI) o político foi governador de Minas Gerais entre 1979 e 1983, deputado federal entre 1963 e 1979 e senador entre 1995 e 2003.
Nos últimos anos de vida, Francelino Pereira teve uma postura reclusa: pouco a pouco foi perdendo a visão e a audição.
Sempre ao lado da esposa oito anos mais nova, Dona Latife, com quem que se casou aos 29 anos e teve três filhos – Maria Eugênia, Luiz Márcio e Paulo França –, passou a apresentar sinais de esquecimento naturais da idade.
Quando presidente nacional da Arena, entre as suas inúmeras declarações de apoio ao regime militar, notabilizou-se pela indagação, em 1976, que inspirou não apenas chargistas, mas o escritor José Affonso Romano de Sant’Anna, além de Renato Russo: “Que país é este?”.
A pergunta foi feita quando os críticos ao regime duvidaram — e com razão — da promessa do então presidente Ernesto Geisel de chamar eleições diretas para governador.
Embora tenha sustentado o golpe e o regime militar, Francelino aderiu à Frente Liberal – dissidência que em 1985 apoiou a candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República no colégio eleitoral.
Trajetória
Do agreste piauiense, na minúscula cidade de Angical, ao centro da política nacional no auge do governo autoritário-militar, Francelino Pereira percorreu um longo caminho. Ele foi o oitavo filho de Venâncio Pereira dos Santos, lavrador e vaqueiro que, por “deferência”, era chamado de Capitão Venâncio.
Sonhando com Minas e os inconfidentes, migrou aos 18 anos para Belo Horizonte onde, com dificuldades, completou os estudos e formou-se em direito.
Foi na casa de família onde alugava um quarto que conheceu Latife, filha do comerciante Miguel Haddad e dona Eugênia. “Vou ser candidato a vereador”, decidiu-se em 1950, recém-casado, redator de política na Rádio Inconfidência, já graduado em direito, afinado com o pensamento liberal udenista de Milton Campos e Pedro Aleixo.
Elegeu-se pela UDN. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, apresentou o projeto de criação da Escola Técnica de Comércio Municipal — que em 1961 passou a se denominar Instituto Municipal de Administração e Ciências Contábeis (Imaco).
Depois de uma tentativa frustrada de eleger-se à Assembleia Legislativa em 1955, Francelino assumiu, em 1961, cargo no governo udenista de Magalhães Pinto, que derrotara o pessedista Tancredo Neves na campanha de 1960 ao Palácio da Liberdade. Ocupou a chefia de gabinete da Secretaria de Interior e Justiça.
Voltada para a solução de demandas políticas de todo o interior do Estado, a função tornou-se um passaporte para a Câmara dos Deputados, pois o forçava a manter atendimento permanente dos “chefes” do interior.
Desse cargo passou à chefia da Assessoria de Assuntos Municipais, vinculada ao gabinete civil do governador. Não só o relacionamento com Magalhães Pinto se tornava mais estreito, pois despachava com ele, como também os pedidos de nomeação, emprego, obras e tantos outros temas passavam por seu crivo. “Afinal de contas, você vai ser candidato, não vai?”, indagou-lhe certo dia o governador, referindo-se às eleições de 1962. Francelino confirmou.
Magalhães quis saber: “Você tem a lista?” Ele entregou-lhe a relação das cidades, nomes e redutos onde concentraria sua campanha e observou o governador acrescentar novas indicações e cortar algumas cidades, para evitar conflitos na base aliada.
Da UDN à Arena
Aos 42 anos, Francelino elegeu-se pela UDN para o primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Oito meses depois, fez um pronunciamento anunciando o rompimento de Minas Gerais com o governo de João Goulart, prelúdio do golpe militar de 31 de março de 1964, liderado no estado por Magalhães Pinto.
Como deputado, também assistiria à edição do Ato Institucional número 2, que extinguiu os 16 partidos políticos legalizados, inclusive a UDN, braço civil do movimento. Bipartidarismo estabelecido, Francelino filiou-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena) de sustentação ao regime.
Reeleito em 1966, recusou-se a aprovar em 12 de dezembro de 1968 o pedido de autorização do governo militar para processar o deputado federal Márcio Moreira Alves, por “crime de opinião”. A derrota levou ao fechamento do Congresso Nacional.
A UDN provava do próprio fel. Francelino conquistaria ainda dois outros mandatos para a Câmara dos Deputados, em 1970 e novamente em 1974, desta vez como o mais votado da bancada mineira arenista.
O seu bom desempenho eleitoral destoava dos resultados de seu partido: sob o guarda-chuva do MDB, a oposição havia conquistado no Senado Federal 16 cadeiras, entre os 22 estados que na época elegiam senadores.
Estavam entre os 16 novatos da oposição nomes até então desconhecidos no cenário nacional e que se tornariam protagonistas da política brasileira nos anos seguintes, como Itamar Franco, de Minas Gerais, Orestes Quércia, de São Paulo, Paulo Brossard do Rio Grande do Sul e Marcos Freire, de Pernambuco.
Quando o governo militar ainda processava a derrota nas urnas, em agosto de 1975 — ano da escalada da repressão política e de mortes nas unidades do Doi-Codi, como a de Vladimir Herzog —, Francelino foi escolhido por Ernesto Geisel para a presidência nacional da Arena.
Discutia-se a promessa de Geisel de iniciar uma transição democrática lenta e gradual, e os governadores eleitos pelo voto direto em dois anos.
Como a oposição duvidava, Francelino fez a pergunta que inspiraria humoristas, chargistas, escritores e o cantor e compositor Renato Russo: “Que país é este em que o povo não acredita no calendário eleitoral estabelecido pelo próprio presidente?”
Geisel mostrou a sua cara no ano seguinte: fechou o Congresso, aumentou o mandato dos presidentes para seis anos, decidiu que um terço dos senadores seria indicado pelo chefe do Executivo (senadores biônicos) e limitou a propaganda eleitoral à leitura de currículos (Lei Falcão).
Era o chamado “Pacote de Abril de 1977”: o regime reagia com força para evitar nova derrota nas eleições de 1978. No comando da Arena, Francelino fez a defesa veemente das medidas, contra todas as iniciativas do MDB que as combatia.
Em 1978, o MDB teve a maioria dos votos, mas continuou em minoria no Congresso Nacional, especialmente pela força da Arena nos pequenos municípios. A partir daí a oposição passou a adotar a estratégia de atrair arenistas para seus quadros.
Foi assim em 1982, quando o PMDB venceu a eleição para governador de Minas Gerais por ter tido como vice na chapa de Tancredo Neves o ex-arenista Hélio Garcia, profundo conhecedor das pequenas cidades mineiras.
A força da Arena nos pequenos municípios levou Francelino Pereira a classificá-la como “o maior partido político do Ocidente”, outra frase de efeito muito reproduzida e criticada. No contexto de um país sob censura e sob a batuta do Ato Institucional 5 (AI-5) — a mais dura medida de exceção —, que institucionalizou a tortura, desparecimentos e mortes nos porões como forma de arrancar confissões de presos políticos, a declaração de Francelino soou arrogante.
Ao que Tancredo retrucaria, que a Arena era o maior “partido dos grotões”. Foi na sucessão presidencial de Ernesto Geisel que Francelino Pereira rompeu politicamente com o então senador Magalhães Pinto, em cujo governo sua carreira política fora impulsionada.
“O criador nunca é a favor da criatura. Na verdade, ele é sempre contra”, avaliou Francelino em sua biografia. Considerando-se preterido pelos chefes do regime militar, Magalhães havia aberto dissidência dentro do partido, não respaldando a indicação do general João Batista Figueiredo para a Presidência. Francelino combateu a oposição de Magalhães Pinto e sustentou o nome do general.
Chegada ao Governo de Minas
Leal ao governo militar, em abril de 1978, por decisão de Geisel e de Figueiredo, Francelino foi indicado para a “candidatura” indireta ao governo de Minas.
Tomou posse em 15 de março de 1979. O novo governador indicaria o penúltimo prefeito de Belo Horizonte do ciclo autoritário-militar: Maurício Campos. Dessa forma, evitava a nomeação de Hélio Garcia, desejada por Aureliano Chaves, vice-presidente da República.
No primeiro ano no comando do estado, enfrentou diversas greves e reivindicações salariais. A começar pela dos professores do estado, categoria que, em 30 de maio, foi duramente reprimida com jatos d’ água durante manifestação na Praça da Liberdade.
Entre julho e agosto, 22 movimentos pipocaram no estado, num espaço de 14 dias, a partir da paralisação dos operários da construção civil em Belo Horizonte.
Francelino Pereira conduziu as articulações para a sua própria sucessão ao governo de Minas em 1982. Onze candidatos disputaram dentro do PDS a indicação, que em convenção de junho de 1982 recaiu-se sobre o engenheiro Eliseu Resende, na ocasião ministro dos Transportes do governo Figueiredo.
As eleições de novembro de 1982 representaram um forte revés: Francelino Pereira não conseguiu eleger o candidato de seu partido, derrotado por Tancredo Neves e Hélio Garcia, ambos egressos do Partido Popular (PP), incorporado ao PMDB.
Ao deixar o governo em março de 1983, Francelino Pereira assumiu a presidência da Companhia de Aços Especiais Itabira (Acesita), cargo em que permaneceu até 1984, quando integrou a dissidência do PDS, denominada Frente Liberal, em oposição à candidatura do ex-governador de São Paulo Maluf, à Presidência da República.
A Frente Liberal se uniu depois ao PMDB, formando a Aliança Democrática, que lançou o nome de Tancredo Neves ao Palácio do Planalto e foi fundamental para deste no colégio eleitoral de 15 de janeiro de 1985.
Ao final daquele mesmo mês, registrou-se no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como Partido da Frente Liberal (PFL). Francelino Pereira figura como um de seus fundadores em Minas. O último cargo de representação ocupado por Francelino Pereira foi de senador, cadeira conquistada pelo PFL, aos 72 anos, nas eleições de 1994.
Em um de seus pronunciamentos em homenagem ao conterrâneo Carlos Castello Branco, explicou a sua escolha juvenil por Minas Gerais, voltando ao tempo em que deixou a família no agreste piauense: “De muito longe, nós ouvíamos falar de Minas, uma terra distante, bem no centro do Brasil, sem praia, sem perdição, onde se destacava a insubmissão e a vocação republicana de seu povo”.
Aeroporto de Confis
Francelino Pereira foi um dos idealizadores e, como governador, construtor do Aeroporto Internacional de Confins.
Atuação política pós-ditadura militar
Em 1990 assumiu a presidência do Diretório Regional do PFL em Minas Gerais, estabeleceu novas diretrizes básicas em consonância com a direção nacional do Partido e reorganizou suas bases em preparação para as eleições de 1994.
Após a conclusão de seu mandato de senador, em 31 de janeiro de 2003, Francelino passou a integrar o Conselho de Administração da Cemig e a presidir honorariamente a Comissão Especial de Estudos do Centro Cultural da Praça da Liberdade. Inspirado pelo centenário de Belo Horizonte, em dezembro de 1997, e motivado pelo sucesso do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro (CCBB), para ele uma das realizações mais gratificantes de sua vida pública, o então senador propôs um projeto arrojado para a capital mineira: a criação do Espaço Cultural da Liberdade.
O pré-projeto, criado pelos arquitetos Luiz Márcio Pereira e Celina Borges, esta professora da Escola de Arquitetura da UFMG, foi entregue ao então governador Eduardo Azeredo e ao prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro, no dia do centenário de Belo Horizonte. Atualmente Francelino Pereira ocupava a cadeira 25 da Academia Mineira de Letras.