O cantor Cauby Peixoto morreu na noite deste domingo, 15, aos 85 anos. A informação foi confirmada pelo produtor Thiago Marques e pelo historiador Rodrigo Faour. Posteriormente, o perfil do fã clube do cantor na rede social Facebook publicou uma despedida, sem detalhes sobre a causa da morte. O que se sabe, até então, é que Cauby Peixoto estava internado no hospital Sancta Maggiori, no bairro do Itaim Bibi, zona sul de São Paulo.
Cauby Peixoto era remanescente de uma era de ouro da canção brasileira. Era muito imitado, mas incomparável. Tinha saúde frágil, condição que foi se agravando nos últimos tempos: em 1997, já tinha sido internado com dores fortes, atribuídas a uma hérnia de disco; em 2000, ganhou 6 pontes de safena e, em um mês, estava cantando de novo.
Sua influência e sua lenda ficam como um carimbo de intensidade nas noites de São Paulo e Rio, onde reinou com mais frequência. “Adoro quando as fãs rasgam minha roupa, sinto-me o próprio Cauby Peixoto”, afirmou o cantor Cazuza, em uma antiga entrevista. “As mulheres estavam alucinadas. Eu mesma fui espirrada para fora da rádio. Ele estava lindo”, lembrou Elis Regina sobre a primeira vez que o viu.
O escritor Mario Prata recordou, em crônica no jornal O Estado de S. Paulo na década de 1990, a especificidade de Cauby e sua alma gêmea, Ângela Maria. “Ângela e Cauby são de uma outra época. Diferente. Muito diferente. Por exemplo: naquele tempo os compositores e compositoras compunham para cantores e cantoras. Para determinados cantores. Cada músico tinha seus intérpretes prediletos. Isso acabou”.
Em meados dos anos 50, Cauby Peixoto já era o cantor mais famoso do rádio brasileiro, ocupando o trono que pertencera a Orlando Silva – mas com um domínio moderno das novas táticas do show biz, utilizando truques de massificação da popularidade, como um grupo de fãs escoladas e bem treinadas na linha de frente dos seus shows para gritar, esgoelar-se e causar sensação. Cauby lançava mão de um ardil usado pelo seu maior ídolo de então, Frank Sinatra, que colocava as famosas bobby-soxers para agitar sua mitologia no início de carreira, nos anos 40.
Família de artistas
Caubi Peixoto Barros nasceu em Niterói (RJ), em 10 de fevereiro de 1931, em uma família de músicos de qualidade: filho do violonista Cadete, sobrinho do famoso Nonô (Romualdo Peixoto), grande pianista que popularizou o samba no instrumento, além de ser primo do notável cantor e compositor Ciro Monteiro. Seus irmãos também se destacaram na área artística: Moacyr Peixoto como pianista, Arakén Peixoto como trompetista e Andyara como cantora.
Sua carreira teve início em programas de calouros. Era tão prodigioso que acabou se tornando o primeiro cantor brasileiro a gravar rock, a faixa Rock’n’Roll em Copacabana, em 1957. Na mesma década, logo após gravar seu primeiro disco, trocou o Rio por São Paulo para ser o crooner das boates Oásis e Arpége.
De volta ao Rio, entrou para o elenco da Rádio Nacional. Segundo lembrou Patricia Palumbo, no livro Bastidores, biografia escrita por Rodrigo Faour, conta-se que Cauby estava tão determinado a ser pop star que teria trocado todos os dentes por uma prótese para parecer mais atraente à juventude, mesmo que sua voz soasse como a de um homem mais experiente.
“Deu certo. O homem foi um fenômeno! Quando eu era ainda uma iniciante no rádio tive a oportunidade de entrevistá-lo e foi uma das melhores experiências profissionais que já vivi. Levei uma pilha de LPs pro estúdio e fui comentando com ele seus grandes sucessos. Cauby, assíduo frequentador das ondas sonoras nos tempos em que esse era o melhor dos mundos, falava comigo e também com o microfone. Ciente da magia do veículo e do poder de sedução da sua voz ele se dirigia diretamente às suas fãs e falava no ar como se estivesse diante delas. Um mestre!”, escreveu Patricia.
Nos anos 50, Cauby logo se destacaria pela voz poderosa que dava brilho a standards da música americana. A identificação de Cauby com Sinatra, Bing Crosby e outros intérpretes do “american songbook”, o repertório dos standards americanos, o levaria a tentar a sorte nos EUA a partir de 1955.
Lá, com o pseudônimo de Ron Coby, se apresentou em nightclubs e chegou a gravar com o maestro Percy Faith. Participou do filme Jamboree, nos EUA, cantando Toreador. Insistiu na conquista da América naquela década, chegando a fazer temporadas de mais de um ano, e chegou a ser chamado pela imprensa de “Elvis Presley brasileiro”, mas o sonho de uma carreira internacional não se concretizou.
Em compensação, no Brasil, emplacava sucesso após sucesso, participava de filmes, cantava na noite, nos principais programas de rádio e televisão, aderia (à sua maneira) aos estilos que iam surgindo e formava a extraordinária bagagem que o transformou, com quase 70 anos de carreira, em um dos artistas de maior longevidade na música popular.
Sempre teve admirável versatilidade: fez duetos com Chico Buarque, Dona Ivone Lara, Luiz Carlos da Vila, Martinho da Vila, Nelson Sargento, Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho e até Carlinhos Brown.
Sobreviveu à bossa nova, à Jovem Guarda e outros gêneros que vieram, e até se adaptou a eles, mas sempre mantendo-se como um monolito artístico, um santuário musical. Em 2009, gravou um disco só com sucessos de Roberto Carlos, de quem foi grande amigo – havia então 16 anos que Roberto não autorizava um artista a gravar um disco só com músicas suas.
Bar Brahma
Na última década, seus fãs acostumaram-se a encontrá-lo em locais mitológicos da noite, como o Bar Brahma, em São Paulo. De vez em quando, surgia para abrilhantar uma festa de cidadãos de bom gosto.
Fosse rico ou humilde, sofisticado ou inculto, o público dele sempre exigia ao menos três sucessos em seus shows: Conceição, Bastidores (um presente de Chico Buarque) e New York, New York. Ele nunca se fazia de rogado. “Às vezes, encerro o show, deixo Conceição e Bastidores, a minha preferida, para o fim, mas a plateia exige minha volta para cantar New York, New York. Não tem jeito.”
A história e a vida de Cauby foram retratadas há dois anos no documentário Cauby – Começaria Tudo Outra Vez, do diretor Nelson Hoineff, filme no qual o cantor fala de tudo, até de seu nunca assumido homossexualismo.
Estadão Conteúdo