“Sem o debate do tema principal, estamos nos tornando em subespécie de uma raça extinta de coisas fundamentais”
Por Carlos Liesner
O interessante é que no Brasil o debate dos grande temas se restringe àquilo que gera polêmica; não conseguimos avançar, atingindo assim o cerne das questões. Nesses poucos dias, vivemos a subtração de dois grandes debates prejudicados pela obliteração ideológica, ou mesmo pelo posicionamento sectário de grupos, quer sejam pró ou contra, a cada tema.
Na primeira a discussão girou sobre a “ideologia de gênero” no debate do Plano Nacional de Educação (PNE), o qual já deveria estar valendo para o decênio 2011-2020, e que transfere aos municípios o debate sobre a construção das políticas públicas para uma década de educação. Ao invés de levarmos à exaustão a discussão sobre a educação, seus caminhos e fins, nos restringimos, País afora, a discussão do aspecto menos importante do Plano: a propalada “ideologia de gênero”, que se é importante para uma determinada militância, para a educação em si pouco pesa. A ideologia de gênero afirma que o homem e a mulher não diferem pelo sexo, mas pelo gênero, e que este não possui base biológica, sendo apenas uma construção socialmente imposta ao ser humano através da família, da educação e da sociedade. Afirma, ainda, que o gênero, em vez de ser imposto, deveria ser livremente escolhido e facilmente modificado pelo próprio ser humano. Ou seja, que ao contrário do que costumamos pensar, as pessoas não nascem homens ou mulheres, mas são elas próprias condicionadas a identificarem-se como homens, como mulheres, ou como um ou mais dos diversos gêneros que podem ser criados pelo indivíduo ou pela sociedade. Deveria ser considerado normal passar de um gênero a outro, e o ser humano deveria ser educado, portanto, para ser capaz de fazê-lo com facilidade, libertando-se da prisão em que o antiquado conceito de sexo o havia colocado. Para facilitar o ativismo em favor do gênero, a Conferência de Yogiakarta, realizada em 2006 na Indonésia, consagrou os termos ‘identidade de gênero’ e ‘orientação sexual’.
Na recente discussão da redução da maioridade penal, onde mais uma vez deveria ser educação o tema central, levamos a discussão com o nosso fígado, ou pelo menos com o nosso lado mais justiceiro, pouco nos importando com a nossa responsabilidade social, ou mesmo responsabilizando e cobrando do Estado, em coro uníssono, a sua função de provedor das necessidades básicas do indivíduo. Esquecemos, inclusive, de uma velha máxima, aconselhamento atribuído a Pitágoras: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”.
Enquanto fugimos do essencial do debate, afastamos da única militância essencial, a da cidadania. Nos permitimos, assim, ter os nossos destinos dirigidos por “dilma”, “cunhas” e “renans”. A grande verdade é que estamos dia a dia, nos apequenando em nossas discussões, no intuito da prevalência do acessório sobre o principal, onde temas inerentes a nossas idiossincrasias pessoais ou posições de cada tribo, vão nos afastando do sentido lato das coisas, fugindo da nossa condição de gênero, nos transmutando numa subespécie, extinta de coisas fundamentais. Se antecipando ao nosso julgamento, nos colocarmos mais, ainda que hipoteticamente, na situação do outro. Se nos educássemos e amássemos mais, por certo precisaríamos menos de barreiras e cadeias e teríamos a humanidade na sua plenitude, consequentemente, o caminho certo para um mundo melhor.