Por Ricardo Pimentel*
Você já reparou a quantidade de artigos, palestras, trabalhos de conclusão de cursos de graduação, dissertações e teses, que iniciam abordando o tema das “mudanças tecnológicas”? E também já reparou como de certa forma todos falam a mesma coisa? E como esse discurso sobre a mudança não muda já há algum tempo? A cada dia novas tecnologias digitais invadem as dimensões da nossa vida pessoal e especialmente profissional, mudando tudo à nossa volta.
Inovação é a palavra de ordem. A única coisa que não muda é o fato de que tudo muda o tempo todo. Mas, e o que não muda? Será que somos capazes de ver e compreender? Ou o que não muda já está de tal forma incorporado que não percebemos mais suas manifestações? Perguntas e mais perguntas que parecem impossíveis de responder. Mas podemos pensar um pouco sobre isso.
Um dos elementos que está fortemente presente nas transformações que as tecnologias digitais vêm produzindo é a ideia de compartilhamento. Compartilhar fotos, textos, informações, mas também compartilhar o carro, o quarto da sua casa que não é usado, espaços de trabalho, objetos que você não usa mais, bicicletas. O movimento é tão forte que se fala em economia compartilhada, e se prevê uma movimentação de recursos da ordem de U$ 335 bilhões em 2025.
Mas de fato o compartilhamento é um fenômeno tão antigo quanto os seres humanos como seres sociais, a começar pela linguagem. E esse compartilhamento sempre requereu algo que também não mudou: a necessidade de aprender. Somos seres que precisam aprender. E, no entanto, nunca vimos tanta inovação baseada no compartilhamento e na aprendizagem.
Mas antes que você pense que não dou o devido valor às mudanças, afirmo que aprender hoje não é mais o mesmo fenômeno de tempos passados. As tecnologias e o compartilhamento, para ficarmos só nesses dois fatores, faz com que a aprendizagem passe a ser coletiva. A aprendizagem individual continua sendo importante, mas o que conta agora é a aprendizagem de grupo.
A nossa vida é uma rede de atividades que são organizadas coletivamente e nos ligam a outras pessoas por meio de objetos, artefatos e tecnologias, que nesse contexto são mais do que isso, e que podemos chamar de arranjos sociomateriais. Pense no que está fazendo agora. Lendo esse texto? Obrigado pela preferência, mas por mais que você esteja atento ao texto, você está também participando de inúmeras outras atividades que o liga a inúmeras outras pessoas.
Levemos a conversa para o mundo do trabalho. Para que possamos atuar em equipe é necessário, dentre outros fatores, que as atividades que fazemos tenham um sentido, um propósito e uma identidade. Saber o que fazer, como fazer e porque fazer, mas não de forma isolada, e sim de forma interconectada e compartilhada. Baseado nas ideias de Ted Schatzki, um filósofo da Universidade de Kentucky, considero que quando um grupo consegue estabelecer coletivamente o sentido das suas atividades e a identidade do próprio grupo, construiu o que chamamos de inteligibilidade das práticas do grupo
Mas que diferença isso faz? Quando um grupo consegue construir esse sentido e essa identidade produz um conhecimento que é coletivo, e não resultado do processo cognitivo individual. Por isso essa construção só faz sentido para aquele grupo e para aquelas atividades. Além disso essa inteligibilidade não pode ser confundida com racionalidade; ela se refere aquilo que é significativo para as pessoas fazerem, e não necessariamente o que é racional.
A isso chamamos aprendizagem do grupo: a construção coletiva de sentido e identidade, que permite ao grupo enriquecer sua experiência coletiva no sentido de aumentar sua capacidade em lidar com os problemas existentes, reformulá-los, bem como identificar novos. Esse último aspecto é fundamental quando se pensa a questão da inovação, pois encontrar novas soluções requer também a habilidade de identificar novos problemas.
Isso significa que os grupos não precisam de líderes? Ao contrário, nunca a liderança foi tão importante. Um líder necessita compreender como o grupo constrói a inteligibilidade, e identificar seus principais elementos. Saber quem é quem, as competências e habilidades de cada colaborador, como designar atividades e tarefas continua sendo importante, mas não é mais suficiente: é preciso saber criar as condições para que a aprendizagem do grupo aconteça.
Isso impacta diretamente na formação e qualificação dos líderes. O conhecimento técnico e instrumental também continua sendo importante, mas é preciso desenvolver a capacidade reflexiva, multidisciplinar, com visão ampla de uma situação e as relações com o mundo. Também ganha importância a capacidade de compreender as relações no “microcosmo” da equipe, os detalhes, as relações “próximas” que podem estar no mesmo espaço/tempo, ou podem ocorrer à distância.
A formação continuada passa ainda por bons cursos de graduação e de especialização, mas também por cursos que ampliem essa capacidade reflexiva, como mestrados e doutorados. E você, conhece realmente o grupo ou os grupos em que atua? Está se qualificando para isso?
*Ricardo Pimentel é professor pesquisador do Programa de Mestrado Profissional em Governança e Sustentabilidade do ISAE – Escola de Negócios.
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