O Plano Real, programa com uma série de medidas responsáveis por estabilizar a hiperinflação da economia brasileira registrada no final da década de 1980 e no começo dos anos 1990, completa 25 anos nessa segunda-feira, 1°. O grande desafio dos governos naquela época era combater a inflação (o aumento de preços de bens e serviços), que corroía o poder de compra da população. Em 8 anos, foram implementados sete planos econômicos. E tinham ocorrido quatro trocas de moedas. Em 1993, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e que representa a inflação oficial do país, foi de 2.477%, muito superior à variação do ano passado, de 3,75%. “O povo não confiava no governo. E em economia, expectativa é tudo. Se você acredita que vai ter inflação, acaba tendo e vice-versa”, afirma Paulo Feldmann, professor da FEA/USP.
A moeda vigente no final de 1993 era o Cruzeiro Real, que entrou em circulação em agosto do mesmo ano, como uma medida de urgência. No entanto, a equipe econômica do presidente Itamar Franco, que tinha assumido após o impeachment de Fernando Collor, já tinha começado a elaborar um novo plano econômico. Liderados pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (FHC), e pelo presidente do Banco Central, Pedro Malan, e com a participação de economistas como Edmar Bacha, André Lara Resende, Gustavo Franco e Pérsio Arida, a ideia era implementar uma nova moeda que acabasse, de vez, com o dragão da inflação. A situação era ainda mais complexa, pois o ano de 1994 era eleitoral. Os dois principais candidatos eram FHC, do PSDB, e Lula, do PT. O Plano Real, portanto, podia ser um grande trunfo para os tucanos –como de fato o foi– e uma dor de cabeça para os petistas.
Fernando Henrique Cardoso credita o sucesso do Plano Real aos conhecimentos técnicos da equipe econômica, ao apoio do então presidente Itamar Franco e aos acertos e erros de planos anteriores. “Assim como agora a reforma da Previdência amadureceu para ser aprovada, a inflação havia se tornado um flagelo e as pessoas queriam contê-la. Tecnicamente, o plano foi bem feito: compreendemos que a “mágica” de cortar zeros, mudar o nome da moeda ou mesmo da URV precisava de apoio em um processo de controle dos gastos públicos, renegociação das dívidas externas, privatização de bancos estaduais, enfim de uma reforma do Estado”, declarou FHC, em nota, a VEJA. Segundo ele, outro fator importante foi o fato de o Plano Real, em vez de surpreender com medidas inesperadas, anunciava de antemão o que aconteceria. “Anunciávamos e cumpríamos. Foi assim que fomos ganhando credibilidade, interna e no exterior.”
O início e as fases do plano
As medidas, conhecidas na época como Plano FHC, foram anunciadas à população no dia 7 de dezembro de 1993. A implementação foi dividida em cinco passos. Primeiro veio o Programa de Ação Imediata (PAI), em meados de 1993, quando o Executivo enviou uma série de ações ao Congresso que tinham como função equilibrar as contas do governo, como corte de gastos públicos. A ideia era criar mecanismos que permitissem a estabilidade da nova moeda após sua implementação. Em seguida, veio o fim da moratória, quando o Brasil terminou a renegociação da dívida externa, no final de 1993.
A partir de então, começou, de fato, a implementação do Plano Real, com a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), atual DRU, que permite ao governo liberar 20% dos gastos de áreas como educação e saúde para situações emergenciais, ainda com a ideia de preparar o terreno para a conversão das moedas. O quarto passo foi a implementação da Unidade Real de Valor (URV), moeda de transição reconhecida como o grande acerto do plano. A URV foi implementada pela medida provisória 434, de 27 de fevereiro de 1994. Na época as medidas provisórias tinham duração de um mês, mas podiam ser reeditadas pelo governo federal. Assim, após a MP 434, ainda houve a MP 457, em abril, para que somente em maio, com a MP 482, ocorresse a aprovação no Congresso.
A partir de 1° de julho, a URV sairia de circulação e passaria a se tornar o real. A MP 542, de 30 de junho de 1994, detalhou como funcionaria a nova moeda. No entanto, esses aspectos só foram aprovados em 1995, após algumas reedições da proposta.
A moeda transitória: URV
Considerada um dos grandes trunfos do plano, a moeda transitória não era impressa, ou seja, não existiam cédulas da URV. No entanto, ela agregava valor. Funcionava assim: A URV estava atrelada ao dólar (1 URV = 1 dólar) e tinha seu preço estampado nos produtos, mas o valor era pago em cruzeiro real. A cotação entre cruzeiro real e a “moeda virtual” era disponibilizada todo dia pelo governo. Quando entrou em vigor, a cotação da URV em cruzeiros reais era de 647,50. Por exemplo: na prateleira do supermercado, o valor do leite seria de 1 URV. No entanto, na hora de pagar no caixa esse valor era convertido em cruzeiro real. Essa relação mudava todos os dias. O preço dos produtos em URV continuava o mesmo.
“Como a população tinha vivido muitos anos de inflação, a ideia era criar na cabeça do cidadão que o preço pode não subir. O leite custa 1 URV e vai continuar assim. O que muda é quantas URV valeriam 1 real. Não tinha inflação em URV. Servia para o pessoal entender e ter expectativas positivas do plano”, explica João Luiz Mascolo, professor de macroeconomia do Insper. A confiança da população no plano era importante, porque a hiperinflação fazia com que as pessoas criassem hábitos que a retroalimentavam. Assim, os vendedores aumentavam o preço já esperando a inflação e, portanto, ajudavam a aumentá-la. Em julho de 1994, quando a URV virou o real, seu valor era de 2.750 cruzeiros reais. Em alguns meses, a inflação se estabilizou, e, desde então, o país nunca mais teve taxas tão altas.
A importância do pós-plano
De acordo com economistas, o sucesso do Plano Real a longo prazo deve-se a medidas tomadas nos anos seguintes a conversão. A eleição de Fernando Henrique, que deixou o Ministério da Fazenda para se candidatar, foi crucial para a continuidade das medidas e, consequentemente, para a longevidade da estabilização econômica. A criação de políticas de metas para a inflação pelo Banco Central, em 1999, e a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), que não permite aos governos gastarem mais do que arrecadam, foram algumas delas. “Com a inflação ficava tudo mascarado. O Plano clareou informações como arrecadação e gastos, então foi possível criar esse planejamento”, afirma Feldmann.
(Fonte: Alessandra Kianek – VEJA.com/via MSN Notícias)