Sem dinheiro, prefeituras mineiras ameaçam ”greve”

Sem dinheiro, prefeituras mineiras ameaçam ”greve”

Atraso nos repasses do estado levam cidade menores a diminuir despesas e limitar serviços como transporte escolar. Situação é de calamidade nas regiões mais carentes

A população sofre os efeitos da crise que atinge os municípios mineiros por causa do atraso nos repasses de recursos constitucionais pelo governo do estado. A situação é mais grave nos municípios menores, de regiões mais carentes como o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, onde os chefes de executivos anunciam a demissão de contratados, interrupção do transporte escolar e a suspensão de serviços básicos, como o atendimento à saúde. Por causa do quadro dramático, já existe até prefeito no interior de Minas pensando em renunciar ao mandato. Os prefeitos ensaiam até mesmo uma “greve”, com a paralisação dos serviços. O movimento é puxado pelas 50 prefeituras do Consórcio Intermunicipal Multifinalitário da Área Mineira da Sudene (Cimams), que estão dispostos a paralisar as atividades da administração municipal para protestar contra a falta de recursos.

“A situação é de calamidade”, afirma o secretário-executivo da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), Ronaldo Mota Dias. Segundo ele, “90 por cento” das 52 prefeituras da região filiadas à entidade enfrentam a crise financeira gerada pela falta de repasses do estado. Segundo ele, falta de dinheiro para obras e serviços, para quitar débito em atraso com fornecedores e para pagar os salários dos servidores, que estão recebendo com atraso. Além disso, “não têm ideia” de como – e quando – vão pagar o décimo salário deles, por absoluta falta de recursos.

Para a suspensão de serviços públicos, prefeituras de pequenos municípios do Norte de Minas vão baixar “decretos de calamidade financeira”. A medida é orientada pelo Cimams como forma de os prefeitos se resguardarem de problemas com a interrupção dos serviços em função da “pindaíba”. Segundo o secretário-executivo da Cimams, Luiz Lobo, o decreto de “calamidade financeira” deve ser usado pelos chefes de executivos para legitimar medidas de cortes que afetam a população, como a suspensão de exames e outros serviços de saúde de média e alta complexidade e a interrupção do transporte escolar, além da dispensa de pessoal.

Presidente da Associação Mineira dos Municípios (AMM), o prefeito de Moema, Julvan Lacerda (MDB), a esperança é de que a Justiça obrigue o governo estadual a efetuar os repasses. Caso contrário, as administrações em Minas “vão entrar em colapso” e não poderão oferecer nem os serviços mais básicos à população. “No início, era uma relação de parceria e, agora, virou uma espécie de montaria”, argumenta. De acordo com Lacerda, além de não repassar dinheiro de cooperações entre estado e municípios, como casos no transporte escolar em que veículos das cidades levam alunos da rede estadual, o governo de Minas passou também a reter verbas garantidas pela legislação nacional, como parte do ICMS e do IPVA.

“A expectativa é que a Justiça possa nos salvar. Não é favor, é cumprir a lei. A constituição é clara, pertence aos municípios esse dinheiro”, contesta Lacerda. O prefeito de Moema, no Centro-Oeste do estado, confirma que a situação é mais preocupante para cidades pequenas em regiões mais dependentes das verbas públicas, como no Norte e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri. “Cerca de 30% dos municípios já decretaram estado de calamidade ou emergência. Os prefeitos tentam manter, mas acabam enfraquecendo outras áreas. Estamos próximos de paralisação no transporte público de alunos, greve geral de professores e profissionais da área da saúde, não tem economia que baste e nem corte que de jeito”, diz Lacerda.

O presidente da AMM lembra medidas drásticas no funcionalismo já estão sendo adotadas até mesmo em cidades grandes como Divinópolis, com cerca de 200 mil habitantes. “Estão pagando só parte dos salários, perto de mil reais. Em São Gonçalo do Pará (também no Centro-Oeste), os professores estão em greve”, aponta, ressaltando que o acúmulo na retenção dos repasses já se aproxima dos R$ 10 bilhões.

Cortes afetam a população

Para amenizar a situação, os gestores municipais decidiram cortar despesas, incluindo medidas que afetam diretamente a população. A decisão nesse sentido foi tomada, em reunião realizada na quinta-feira, no município de Mato Verde, pelos prefeitos da microrregião da Serra Geral de Minas, que abrange 16 municípios do extremo Norte do estado. Na região, todo ano, é comum decretarem estado emergência ou de calamidade por causa das estiagens prolongadas. A seca foi amenizada pelas chuvas do fim de outubro e inicio de novembro. Mas, a calamidade agora é outra: financeira.

“A nossa situação é gravíssima”, afirma o prefeito de Janaúba, Carlos Isaildon Mendes (PSDB), um dos participantes do encontro em Mato Verde. Na sexta-feira, Isaildon se reuniu com seus assessores e anunciou as medidas “sacrificantes” para o enfrentamento da crise financeira. Uma delas será o corte imediato de 10% dos contratos e de ocupantes de cargos na prefeitura, o que vai representar a dispensa de cerca de 60 pessoas. Ainda como “medida de economia”, a prefeitura de Janaúba vai reduzir a circulação da sua frota em 30% e suspender a compra de lanches para eventos e reuniões. Também está suspenso temporariamente o pagamento de diárias de viagens dos funcionários municipais.

O chefe do executivo de Janaúba disse que o seu município tem a receber R$ 30 milhões de repasses em atraso do governo estadual. Ele afirmou que, “na base do sacrifício”, a prefeitura pagou os salários dos meses anteriores no dia 15 de cada mês subseqüente. No entanto, com o agravamento da situação, ainda não existe data definida para a liberação dos salários de outubro, embora a previsão seja pagar até quinta-feira. Por outro lado, ainda não se sabe quando a prefeitura de Janaúba vai quitar o décimo terceiro salário.

Renúncia

Em Morro da Garça, município de 2,66 mil habitantes, na região Central do estado, o drama provocado pelo atraso na chegada dos repasses é tamanho que o prefeito da cidade, José Maria de Castro (PHS) anuncia que pensa renunciar caso não tenha uma solução rápida. “Do jeito que está não tem como funcionar. Se nada for resolvido até 30 novembro, vou parar tudo e entregar a prefeitura. Ainda não sei o que poderá ser feito. Mas, se não tiver outra solução, vou renunciar”, afirma José Maria de Castro, no exercício do quinto mandato na prefeitura – sendo o segundo consecutivo.

Castro afirma que ao longo dos seus quase 22 anos dos cinco mandatos à frente da prefeitura da pequena cidade nunca encontrou um quadro tão caótico como o de agora. “O município depende das verbas do governo do estado e do governo federal, pois não tem outra fonte de receitas”, argumenta o prefeito. Ele disse que, nos meses anteriores, conseguiu pagar os salários dos 280 funcionários municipais, que, ao lado de aposentados e cadastrados em programas sociais do governo, respondem pelo dinheiro circulante na cidade. “Mas, ao longo do ano, a cada vez, a coisa foi só apertando”, afirma Castro, acrescentando que ainda não quitou os salários dos servidores relativos a outubro e ainda não sabe quando o pagamento será efetuado. (LR)

Precaução

Uma comissão de procuradores municipais, advogados e de prefeitos norte-mineiros se reuniu na sexta-feira com o coordenador regional de Defesa das Promotorias de Defesa do Patrimônio Publico de Montes Claros, promotor Paulo Vinicius Magalhães Sobreira. 

O grupo entregou ao promotor um manifesto direcionado ao Ministério Publico Estadual de Minas Gerais (MPMG) em que expressam a “insatisfação contra as graves atrocidades sofridas pelos municípios do sertão norte-mineiro” e “a situação quase falimentar dos municípios”. 

A proposta é do prefeitos é contar com o apoio do MPMG para se prevenirem contra ações de improbidade administrativa por terem que suspender serviços básicos como o atendimento à saúde e o transporte escolar ou deixar de pagar pessoal, devido à falta dos repasses constitucionais governo estadual. Eles também fazem o mesmo tipo de mobilização junto ao Tribunal de Contas do Estado  (TCE – MG) e ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

(Fonte: Luiz Ribeiro e Rodrigo Melo – Estado de Minas)



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