Quando começou, em 2010, The Walking Dead era facilmente descrita como uma série de zumbis. Agora, seis anos depois, quando um fiel espectador é questionado sobre o mote do programa, com certeza dirá que os seres mortos-vivos nada mais são que nojentos coadjuvantes na trama. A sexta temporada, que chega ao fim neste domingo, é a melhor prova desta afirmação. Com o passar do tempo, os zumbis perderam o posto de grande ameaça para os seres humanos. Afinal, se em um mundo sem leis, uma pessoa deu um jeito de sobreviver, provavelmente, boa gente não é. A teoria vale também para os amados protagonistas do seriado.
“Um dos principais propósitos do filão de zumbis é explorar a condição do homem, olhando para nosso lado obscuro. Realmente cuidamos um do outro ou estamos a apenas um apocalipse de distância de nos tornarmos nossos piores inimigos?”, questiona Arnold T. Blumberg, especialista em zumbis (sim, isso mesmo) e professor do curso “Zumbis e a Mídia Popular” na Universidade de Baltimore, nos Estados Unidos.
Tal dúvida tem conduzido The Walking Dead ao longo dos anos, mas encontrou o que parece ser seu auge na atual temporada. O elenco principal, conduzido por Rick Grimes (Andrew Lincoln), passou pelas mais variadas adversidades em um roteiro cíclico, intercalando momentos sem rumo por florestas e cidades abandonadas, com outros em que eles encontram abrigo e tentam estabelecer uma sociedade minimamente digna. Recentemente, os personagens fincaram bandeira em Alexandria, um antigo condomínio fechado de classe média alta, reforçado por altos muros e constante vigilância. Se antes era difícil achar água para beber, agora os personagens gozam até mesmo de banhos quentes.
Se a vida ficou mais fácil, as visões sobre o novo mundo, nem tanto. Na primeira metade da temporada, o grupo principal se dividiu entre os que, traumatizados, não se arriscam mais e matam sem pensar duas vezes sempre que trombam com um novo individuo fora dos muros de Alexandria. Outros, especialmente Morgan (Lennie James), acreditam que toda vida tem seu valor e que a civilização só será possível se existirem segundas chances, julgamentos honestos e, por que não, um pouco de compaixão.
“Produções apocalípticas obrigam o espectador a confrontar seus valores mais arraigados e a se perguntar: ainda seríamos capazes de defender esses valores em um mundo assim? O que seria permitido fazer? O que seria proibido? Sobrou algum limite, no fim das contas?”, questiona Christopher Robichaud, professor de literatura em Harvard e autor do livro The Walking Dead e a Filosofia(BestSeller).
Do outro lado da tela, os fãs também se dividem entre os dois pensamentos. No Twitter, espectadores acompanham ao vivo os episódios, exibidos no Brasil pelo canal Fox, e comentam as atitudes dos anti-heróis, com críticas ou mensagens de apoio. O burburinho tem dado bons resultados de audiência. Até o penúltimo episódio, a sexta temporada marca uma média de audiência 30% maior do que a quinta – que até então era a recordista. A série ostenta o título de programa mais visto em toda a história da Fox no Brasil. Nos Estados Unidos, o saldo é parecido, só que ainda mais exuberante. A atual temporada bateu picos de 19,5 milhões de espectadores em um único episódio. No caminho entre o trash e o cult, os zumbis de The Walking Dead encontraram seu lugar no mainstream.
A expectativa é que o último capítulo seja a alavanca final para dar à temporada um novo recorde de audiência. Os 15 últimos episódios, aliás, foram apenas uma “leve” introdução da produção que vai ao ar neste domingo. O ator Jeffrey Dean Morgan finalmente fará sua estreia na série na pele do vilão Negan, considerado o mais brutal personagem da trama nos quadrinhos.
Velhos monstrengos – Não é de hoje que os errantes corpos decrépitos andarilhos são um prato cheio para associações que vão de religião e política a criticas ao consumismo e à própria natureza humana.
A série é resultado de uma onda crescente, que tomou corpo no começo dos anos 2000, com filmes bem recebidos como Extermínio (2002); e o remake Madrugada dos Mortos (2004), inspirado no clássico O Despertar dos Mortos (1978), de George A. Romero – aliás, considerado o pai da cultura do zumbi como é conhecida hoje em dia. A superprodução com Brad Pitt Guerra Mundial Z (2013) e as comédiasZumbilândia (2009), Meu Namorado é um Zumbi (2013) e Orgulho e Preconceito e Zumbis (2015) completam o pacote mais recente que merece destaque. O efeito TWD também deu origem a outros programas televisivos como Z Nation, do canal SyFy, e o seriado adolescente iZombie, da CW.
“Nunca estivemos mais alienados, assustados e esperando por um apocalipse como hoje em dia. Culturalmente, nós gostamos dos zumbis para dar vazão aos nossos medos como uma maneira de compartilhá-los e vivê-los por duas horas no cinema, para depois sairmos sãos e salvos da sala”, diz Blumberg.
Segundo Mary Elizabeth Ginway, professora de literatura na Universidade da Flórida, a crise americana provocada pelos ataques às Torres Gêmeas em Nova Iorque, em 2001, colaborou para o ambiente de medo e incerteza, refletido nas produções de zumbis. “Grupos alheios, por idade, por ideologia, por raça ou classe, se tornam mais ameaçadores. A ‘zumbificação’ do ser humano representa os medos e também o ser que é um resultado de sistemas, como o econômico e político.”
Com fundos filosóficos, educativos, ou para o mero entretenimento, os personagens comedores de carne humana – com apetite especial por cérebros – prometem continuar em alta por muito tempo.TWD, por exemplo, não tem prazo para terminar – rumores sugerem que o programa deve continuar no ar, pelo menos, até 2022. De livrarias até aplicativos de celular, sem esquecer as pegadinhas de Silvio Santos no SBT, a invasão dos zumbis pode ser vista por todos os lados, meios e para variadas idades. O apocalipse zumbi já aconteceu, mas, ao contrário do esperado, são poucos os que querem fugir desta infecção.
(Com informações do portal VEJA)